Cinema e Séries A irreverência e ironia de ‘Bingo: O Rei das Manhãs’

A irreverência e ironia de ‘Bingo: O Rei das Manhãs’

Por Erica Oliveira Cavalcanti Schumacher

O cinema nacional vem surpreendendo pela qualidade e pela preocupação em não ser mais do mesmo. Após décadas de escassas obras, estamos sendo presenteados com filmes maduros e excelentes do ponto de vista técnico e de atuação. Nesse cenário, a aposta da vez é Bingo: O Rei das Manhãs, o filme biográfico que retrata de forma mascarada a vida e a carreira de Arlindo Torres, um dos intérpretes do icônico Palhaço Bozo, famoso apresentador da década de 80 na TV brasileira.

Dirigido por Daniel Rezende (editor de Cidade de Deus e Tropa de Elite) e escrito por Luiz Bolognesi (Bicho de 7 Cabeças e Elis), o filme tem como protagonista Vladimir Brichta (Justiça), que dá vida ao pai de família que ganha a vida atuando em filmes pornôs e tem a ambição de conquistar grandes feitos na profissão. Augusto Mendes é filho de Marta Mendes (Ana Lúcia Torre), uma atriz prestigiada de outrora e que vive a fase decadente de sua carreira, restrita a uma bancada de jurados de um programa de auditório.

Augusto teme pelo fracasso ao se debruçar sobre a situação da mãe e cobiça a atual posição da ex-esposa (Tainá Muller), alçada ao papel de protagonista da novela das 8 da mais famosa rede de televisão brasileira, a TV Mundial (qualquer semelhança não é mera coincidência). Com base nisso, pode-se considerar que o protagonista é um típico brasileiro ‘virador’: se vira de acordo com o que aparece e dribla obstáculos no intuito de conquistar seus sonhos. Os holofotes são seu destino e qualquer palco (nas mais variadas situações) se torna lar para suas ânsias.

A vida do artista gira em torno do filho, o pequeno Gabriel e da vontade de conquistar o mundo. Ambição é seu sobrenome e a irreverência é a chave para as suas conquistas. Durante uma visita aos estúdios da emissora concorrente para a realização de um teste, Augusto descobre que está acontecendo uma seleção para palhaço apresentador de programa infantil. Os exames estão à cargo do rígido Peter Olsen (Soren Hellerup), o detentor da criação do palhaço Bingo e o responsável por implantar o programa no país.

Sua garra e insolência dobram o diretor, mas isso não se estende a Lúcia (Leandra Leal), a exigente produtora que vê no programa infantil a chance de crescer nos bastidores da televisão brasileira, vencendo a guerra de audiência contra a emissora concorrente, e que se mantém atenta a todos os riscos que o excesso de humor de Augusto possa vir a trazer para a equipe do matinal.

O sucesso de Bingo na TV reside na sua insubordinação perante seus superiores hierárquicos, que resultam nas melhores cenas do longa. Augusto é sábio ao avisar ao diretor norte americano que o Brasil não é para amadores e que o que se considera humor em terras tupiniquins pode chocar muito estrangeiro desavisado, mesmo entre o público infantil. Prova disso é a participação de Gretchen (Emanuelle Araújo) no programa (a única personagem que recebeu o verdadeiro nome), que exala sensualidade e rebola indiscriminadamente para crianças, o que gera altos índices de audiência, para espanto do gringo desavisado, que passa a permitir cada vez mais que o roteiro ideal fique de lado, já que no Brasil o Ibope é conquistado de forma inusitada.

Gretchen: uma atração inusitada

Paralelamente ao sucesso crescente do palhaço, o pai de família está cada vez mais distante das suas responsabilidades e do afeto de seu filho, a única criança no Brasil que sabe quem é o verdadeiro Bingo e que não se diverte com o programa diário. Gabriel sabe que quanto mais espaço Bingo possuir na TV, menos seu pai estará presente. Ao longo do tempo, essa situação supera todos os limites do aceitável. Nesse momento, drama e comédia mesclam a vida de Augusto, o homem que faz a alegria de todo o público infantil, menos de seu próprio filho.

A trajetória do longa se torna denso na medida em que o sucesso sobe à cabeça de Augusto. O excesso de drogas, companhias femininas, noitadas ao lado do cinegrafista e descuido com a família é inversamente proporcional ao seu rendimento como apresentador. Se no início ele se preocupou em ser o melhor palhaço possível, com o tempo, a vaidade lhe toma o rumo. Curiosamente, ninguém pode saber da verdadeira identidade de Bingo, que chega a participar de premiações de gala vestido de palhaço para não ferir o contrato que pregoa absoluto sigilo de sua identidade.

A concorrência

Uma parte relevante do longa está nas associações que o espectador é capaz de fazer em relação às emissoras e personalidades brasileiras, que ganharam outros nomes, mas que são fiéis à realidade fática de quem acompanha a televisão. Vale destaque a participação do ator Domingos Montagner como o Palhaço Aparício, personagem responsável pelo treino de Augusto como Bingo, por iniciativa do próprio, que nunca antes havia cogitado ser apresentador ou figura cômica. Ressalte-se que o ator falecido era circense, o que torna sua participação altamente simbólica, uma vez que seu derradeiro papel foi o de um palhaço. Ao final do longa, a obra é a ele dedicada.

No mais, é interessante observar que Vladimir Brichta sabe navegar tanto pela via cômica como pela via dramática, e às vezes, quase ao mesmo tempo. Ainda assim é inegável sua tendência natural ao humor, que resulta em um filme adulto, dotado de comédia ácida e inteligente, fortemente fiel ao espírito do brasileiro, que se sente representado por algumas tiradas do protagonista, uma pessoa incapaz de seguir roteiros tanto na profissão, como na vida.

Confira o trailer:

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