Estreou nos cinemas na última quinta-feira, 09/03 ‘Fome de Poder’ (The Fouder, EUA, 2017), do diretor John Lee Hancock; o filme que conta a controversa história da fundação e expansão da maior rede de fast food que o comércio mundial já viu: o McDonald’s. A cadeia que hoje é responsável diariamente pela refeição de 1% da população mundial teve um começo nada pomposo pelas mãos dos irmãos Maurice McDonald e Richard McDonald, interpretados respectivamente por John Carrol Lynch (Ilha do Medo) e Nick Oferman (Anjos da Lei). Ejetados do mercado cinematográfico de Hollywood, a dupla decide firmar uma concorrência com um vendedor de cachorro quente que se instalara na porta dos estúdios norte-americanos. A medida que a experiência é adquirida, os irmãos percebem que mesmo possuindo um cardápio que conta com quase 30 itens, apenas 4 são constantemente solicitados pela clientela: hambúrguer, batata frita, refrigerante e milk shake.
A partir desse dado, os sócios radicalizam no cardápio ao reduzirem sua oferta apenas para esses itens e criam o modelo speedeed de cozinha, onde tudo é orquestrado para que o pedido seja servido no mínimo possível de tempo. Para tanto, os próprios fundadores formulam a cozinha embutida e a encomendam sob medida. A cena da dupla ensaiando os movimentos da equipe de cozinheiros em uma quadra de tênis com os objetos desenhados a giz no chão com todos encenando os movimentos é uma aula para qualquer administrador perfeccionista.
A criatividade dos irmãos ao desenharem uma cozinha a partir das manobras necessárias para a construção de uma típica oferta faz com que um pedido que normalmente era servido dentro de 30 minutos em um drive thru da época reduz para 30 segundos esse tempo. O descarte de todos os recipientes após o consumo retira a necessidade de uma equipe de lavagem de louça e zera o desperdício com produtos roubados ou inutilizados. Foi uma das melhores criações da década de 50.
O excesso de demanda do McDonald’s chama a atenção do vendedor de máquinas de milk shake Ray Kroc, interpretado por Michael Keaton (Spotlight), que ao chegar em San Bernardino, na Califórnia, se impressiona com o modelo desenvolvido pelos McDonalds e pela lucratividade do negócio.
O filme, que poderia ser uma bela história de empreendedorismo acima de qualquer suspeita, não o é, uma vez que a trama é narrada a partir de Kroc, o antigo vendedor que convenceu os irmãos a confiarem nele a negociação de franquias com a justificativa de que o modelo McDonald’s era muito bom para ser desperdiçado com apenas uma única filial na Califórnia. Raymond Kroc é o tipo de pessoa que não aceita que algo não seja explorado ao máximo e não entende pessoas que pensam diferente dele. Persistência é sua palavra de ordem.
A partir disso, o público acompanha as desventuras de Kroc para vender a marca de McDonald’s. É indubitável a fé que ele põe no negócio. Sua energia é inesgotável e o visionário se torna um grande fiscal da qualidade das lojas e produtos. Ray prova hambúrgueres, negocia franquias, lava o estacionamento da loja, fiscaliza obras e recolhe o lixo do chão após o encerramento, enfim, seu engajamento é infinitamente superior ao dos irmãos, que mesmo convencidos pela propagação, preferem restringir sua atuação àquela que foi a primeira loja da rede e acompanham a distância o progresso das negociações.
A medida que a ideia se torna uma cadeia crescente de lojas, Ray passa a se insubordinar aos fundadores e se anuncia perante interessados como o criador do negócio. O filme registra de forma interessante como, ao mesmo tempo, a mesma pessoa consegue atrair a admiração e a repulsa da plateia por suas práticas pouco ortodoxas. Kroc ama mais o McDonald’s do que seus inventores e ambiciona para o empreendimento coisas que nunca passariam pela mente dos irmãos. Para tanto, está disposto a sacrificar tudo e todos em nome do sucesso da franquia.
‘Fome de Poder’ é um filme sobre apropriação. Ray Kroc é nas telas um polvo que suavemente vai ser enrolando no McDonald’s até sufocar a história escrita antes de os caminhos dos irmãos se cruzarem com o dele. Da receita do sanduíche aos arcos dourados, nada veio dele, mas foi através dele que se tornou mundialmente conhecido.
A trama consegue ser o tipo de filme que deixa o público se questionando sobre o que faria na pele do protagonista. Para os amantes da audácia, é um prato cheio de lições e sacadas geniais (atenção especial para Harry Sonneborn, interpretado por B.J. Novak). Para os que preferem dormir com a consciência tranquila, a película tem o poder de balançar o senso crítico. No fim das contas, ninguém sai imune do poder emanado pela história. O filme é uma parada obrigatória para os profissionais do ramo dos negócios. Ao espectador, resta a questão: quão grande é a sua fome?
P.S.: O Desing Culture informa o filme em comento pode gerar na pessoa um desejo irresistível de se dirigir ao McDonald’s mais próximo do cinema.