Vivemos em um mundo onde se tornou praticamente impossível inventar artefactos totalmente novos. A frase “a roda já foi inventada” simboliza essa realidade e nos leva a questionar: como podemos inovar e nos destacar em um cenário onde quase tudo já foi criado? A resposta reside na transformação e re-significação do que já existe, adaptando conceitos e abordagens ao contexto atual de maneira criativa e relevante.
Como disse Antoine Lavoisier, na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma. Se aplicarmos essa teoria ao campo do design, obteremos uma definição clara do que é inovação. Inovar é a capacidade de transformar o que já existe, re-significando conceitos e abordagens previamente estabelecidas pelo sistema, que molda subconscientemente nossos caminhos criativos.
Para que o processo de re-significação se concretize, é essencial compreender o significado atual do conceito em questão e estar ciente dos outros conceitos em órbita, para relacioná-los de maneira coerente. Esse processo ocorre muitas vezes de forma subconsciente, mesmo após a agregação de novas ideias.
Meus professores de música, Mário Chaúque e Aniano Zamba, diziam que as sequências melódicas que eu criava provavelmente já haviam sido criadas em algum lugar do mundo. Eles usavam essa observação para explicar que meu processo de composição era, na verdade, um resultado da junção de outras composições e sons que ouvi ao longo do tempo, e não apenas uma criação nata. Essa perspectiva ilustra como a inovação é frequentemente uma reconfiguração de elementos já existentes.
Um exemplo da Moda
A indústria da moda é um exemplo claro de como a inovação pode surgir da re-significação do passado. Estilos e movimentos vanguardistas são continuamente revisitados e reinterpretados, adaptando-se às necessidades e desejos contemporâneos. Um exemplo é a ressurreição das tendências dos anos 80 e 90, que voltaram com força nos últimos anos, mas com uma abordagem moderna que dialoga com os hábitos e preferências atuais.
No Design
O design, em todas as suas manifestações, também se baseia nas expressões artísticas que serviram de base para o desenvolvimento criativo. Movimentos como o Gótico, De Stijl e o Modernismo influenciaram profundamente o design contemporâneo. Designers atuais não apenas se inspiram nessas tradições, mas também as adaptam para resolver problemas modernos.
Upcycling: Inovação Sustentável
Outra abordagem inovadora é o upcycling, que consiste em transformar materiais descartados ou produtos antigos em novos itens de maior valor. Ao invés de simplesmente reciclar materiais, o upcycling re-imagina seu uso de maneira criativa, muitas vezes resultando em produtos únicos e de alta qualidade. Na moda, por exemplo, designers estão criando roupas e acessórios a partir de tecidos antigos, reduzindo o desperdício e promovendo a sustentabilidade. No design de móveis, paletes de madeira descartadas são transformadas em peças elegantes e funcionais. O upcycling não apenas contribui para a inovação, mas também oferece uma solução viável para problemas ambientais, reforçando a ideia de que a verdadeira inovação pode ser tanto criativa quanto sustentável.
O instinto inovativo é motivado pelo repertório que adquirimos ao longo do tempo através de informações, experiências e ideias armazenadas em nosso cérebro. A combinação desses elementos resulta no produto da inovação.
Construir um repertório é semelhante à criação de um moodboard em um processo de design de logotipo. O resultado final nasce da associação dos elementos colocados à disposição. Portanto, é indispensável para qualquer criador organizar um repertório, pois ele auxilia na tomada de decisões intencionais durante o processo inovativo.
Todo ser humano é, de fato, uma fonte de saberes. Se reuníssemos toda a sua experiência de vida para criar um determinado produto, teríamos informações suficientes para desenvolver um projeto do início ao fim com sucesso. O que realmente se faz necessário é a soma de todas essas experiências e conhecimentos. Assim, a inovação não se trata de criar algo totalmente novo, mas de transformar e re-significar o que já existe, utilizando o vasto repertório acumulado ao longo do tempo.
Portanto, em um mundo onde “a roda já foi inventada”, a verdadeira inovação está na capacidade de transformar o existente. Seja na moda, na música, no design ou em qualquer outro campo criativo, o segredo para se destacar está em como re-significamos e adaptamos o passado ao presente. É a habilidade de ver além do óbvio, de fazer conexões inesperadas e de aplicar o conhecimento acumulado de maneiras novas e excitantes. Afinal, como dizia Lavoisier, na natureza (e na criatividade), nada se cria, nada se perde, tudo se transforma.
