Artistas VS inteligências artificiais: uma luta válida?

Artistas VS inteligências artificiais: uma luta válida?

Por Ciro Leimig

A frase “O artista é a antena da raça.” de Marshall McLuhan, diz muito. Quem acompanha a ciência e curte ficção cientifica sabe que muitas vezes algo muito parecido com ‘aquela descoberta revolucionária que acabou de acontecer’ já havia sido idealizado de forma quase premonitória em um livro de mil novecentos e bolinha. A arte tem esse poder. A imaginação humana é a máquina mais potente de que se tem conhecimento quando o assunto é imaginar futuros. E os artistas, bem, são os que levam a imaginação mais a sério… A arte captura sinais de outros tempos que ainda não vieram e vez por outra essas capturas revelam-se no presente. Não se sabe em que nível os primeiros filmes de viagem espacial influenciaram a corrida espacial, por exemplo, e é claro que não estou falando de uma influência direta. Arte e ciência são ‘ovo e galinha’, em vários casos.

Ainda assim, artistas não estão imunes aos saltos tecnológicos. Claro. Em 2023 tivemos o boom das Inteligências Artificiais Generativas, como quase todos já sabem, e se teve uma coisa que parece ter vindo para ficar, junto com essas ferramentas fantásticas, foi o receio de que elas inviabilizem o ‘fazer arte’ de alguma forma, entre outros fazeres… Então, a depender do ângulo que se olhe, o fantástico pode se revelar obscuro, assustador. E contra isso o melhor é uma boa lanterna! Iluminemos!

A maior fonte (justa) desse receio disseminado entre artistas, como eu já comentei neste artigo sobre Tecnologia e Ética, é a própria humanidade (uma pequena fração dela). IAs são, pelo menos por enquanto, ferramentas. Transformadoras, poderosas, mas ferramentas. Por trás desse poder todo estão os interesses econômicos dos indivíduos que dominam as cadeias de valor capitalistas… E estes realmente não estão para brincadeira. Então, como artistas deveriam atuar diante de “um robô” que cospe em segundos uma ilustração que levaria horas, dias para ser executada por um sapien? Em tese, é muito mais barato… Como brigar com isso? Calma que nem tudo é para briga!

Por esses dias, em um grande grupo de ‘Zap’ de designers do qual participo, um de nós divulgou um artista gráfico contando sobre um ‘aplicativo’ que embaralha alguns pixels de arquivos de artes digitais, de modo que o olho humano não percebe a diferença mas as IAs confundem-se. Aparentemente as IAs generativas de imagem começariam a errar as entregas por conta dessa ‘contra-tecnologia’. Era um protesto, entendi assim. Outro se manifestou dizendo que, se funcionasse mesmo, seria válido, e que “se querem usar referências nos dados, que peçam autorização, paguem por isso”. O debate é super válido, embora eu não aposte um centavo na eficiência disso na prática… Não faz sentido: um artista é uma estrelinha diante das enormes galáxias com trilhões de estrelas que representam as bases de dados dessas IAs. Iniciativas como essa não me parecem um caminho válido, inclusive porque afastam os artistas da tecnologia e do aprendizado, justo no momento de virada de chave tecnológica. E quem briga com avanço tecnológico acaba perdendo. A tecnologia avança e quem não se adapta é passado para trás.

Ao meu ver, as IAs hoje não substituem artistas e quem está tentando fazê-lo, demitindo profissionais gráficos para usá-las em demandas importantes, está errando, perdendo controle e poder gráfico. Venho usando algumas IAs generativas de imagem e a sensação constante é a de que você está lidando com algo quase randômico, em muitos casos. Quanto mais específica é a demanda, quanto mais o ponto se afasta da curva, mais difícil é obter um resultado satisfatório. É claro, com o uso você aprende a domar um pouco melhor o processo, mas ainda assim um prompt não é um briefing. Você continua precisando de bons ilustradores para resolver problemas minimamente complexos de criação e aqui chegamos na motivação do uso: para quê você está usando IAs? Qual é a sua motivação, qual a exigência por trás da demanda, quais sensações quer provocar? Se há um problema gráfico a ser resolvido, não dá para ficar contando com as entregas estatisticamente arbitrárias desses sistemas, sob o risco de perder qualidade, tempo ou pior: de vista os objetivos de comunicação visual por trás daquela imagem.

Para mim, a revolução das IAs generativas de imagem está acontecendo primeiro nas demandas mais simples, nas demandas para as quais não se contrataria um bom ilustrador, seja porque são tarefas banais demais diante do custo profissional ou porque nem estavam previstas em um projeto. IAs são boas para experimentar aplicações ou para dar uma cara diferente às aplicações institucionais de menor exigência gráfica. É claro que essa linha entre o que é uma demanda importante ou banal nem sempre é clara, especialmente se a empresa não tem esse critério de qualidade como capacidade, e aí demite bons profissionais sem compreender os riscos disso. Danos assim vão acontecer e não estou aqui dizendo que isso é bom ou tranquilo. Para muitos profissionais que estão trabalhando em empresas menos criteriosas, ou mesmo para os profissionais menos experientes, as IAs serão uma ameaça. O meu ponto é que essa ameaça será maior se, em vez de aprender a usá-las (se aproveitando do seu olhar diferenciado de artista), eles negarem a ferramenta e a mudança na realidade que elas proporcionam. Boicote não é para quem fornece serviço, e quem contrata não está pensando em boicotar.

Agora, voltemos para o início do texto, para a frase de McLuhan. Ele não se referia exatamente aos ilustradores, que são artistas, digamos, ‘aplicados ao mercado’. A ‘antena da raça’, na visão dele, são os artistas de ofício, que produzem “produtos” de arte e não de mercado. Bem, desses, especificamente, eu acredito que as IAs estão longe demais de representarem uma ameaça real. Ao meu ver, dificilmente IAs serão capazes de imaginar futuros como nós, ou mesmo encontrar uma forma completamente nova de trabalhar linguagens com o intuito de aproximar pinceladas (ou riscos, ou letras) do sentimento humano. Não importa o tamanho das bases de dados que elas tenham: dados estão no passado, são referências pragmáticas e o pragmatismo é uma apenas opção não obrigatória do fazer arte, que bebe da subjetividade para criar o inesperado. O que não significa que esses artistas não possam usar IAs nos seus processos criativos. Ao escrever uma cena envolvendo uma bolha de sabão, um escritor poderá usar o GPT para entender e conhecer melhor a morfologia desse objeto efêmero flutuando no ar, antes de inseri-lo no seu texto, por exemplo.

Independente da finalidade de um projeto de arte, sendo ou não uma encomenda do mercado, é o artista quem detém a capacidade de traduzir ou planejar os efeitos emocionais desejados através da estética e não importa se ele usará apenas pinceis para isso ou um conjunto de IAs super avançadas… A questão é que artistas que não se envolvem com novas técnicas ficam no passado, especialmente quando falamos de uma tecnologia tão impactante. Mas IAs jamais entregarão sentimento ‘sozinhas’, manobradas por pessoas que sejam ‘ignorantes estéticas’. Quando as máquinas fotográficas vieram, mudaram as demandas sobre os retratistas, ao passo em que retratos ficaram cada vez mais banais. Ainda assim, bons retratistas ainda existem, sob nova demanda, ao passo em que uma nova classe de artistas surgiu: a dos fotógrafos.

Não podemos nos assustar com o poder de qualquer ferramenta ao ponto de paralisarmos. Veja: por mais que uma câmera fotográfica moderna seja eficiente ao ponto de gerar fotos de altíssima qualidade nas minhas mãos ou nas mãos de um fotógrafo profissional, eu precisaria me dedicar para ter resultados realmente eficientes. Achar que qualquer pessoa usando IAs vai poder substituir um artista usando IAs é a mesma coisa que achar que as fotos de Sebastião Salgado são iguais em qualidade as que eu tenho na minha galeria do celular. Não são.

O fazer arte parece estar mudando, os ofícios parecem estar sendo remodelados. É provável também que o consumo de arte mude e as demandas passem a ser diferentes, talvez menos técnicas e mais semânticas, diferenciando as entregas dos sapiens e das máquinas. Talvez o impacto maior seja o da produtividade e um artista que gerava uma solução por dia precise gerar cinco, sabendo que ninguém vai trabalhar cinco vezes menos para ganhar a mesma coisa (poderia, noutra lógica social, mas não vai)… e desse modo teremos mais artes circulando, uma ‘banalização’ a respeito das demandas atuais e novas janelas abertas para novos tipos de demandas… E estamos apenas no início dessa jornada tecnológica: IAs são apenas “bebês”. O que poderá acontecer quando estiverem evoluídas o bastante? Será que poderemos, um dia, gerar arte diretamente a partir dos nossos pensamentos?

As oportunidades por trás do ofício não vão desaparecer, mas é muito provável que se modifiquem e não vejo como nós artistas poderemos nos adaptar estando distantes do presente e do futuro trazido pelas novas tecnologias de inteligência artificial. Você vê? Bem, esse é um assunto complexo e em grande medida polêmico. Deixa aqui nos comentários o que acha!

arte de capa by @RobertJKing on Behance 

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