Vivemos uma era marcada pelo excesso de informação e pela velocidade de consumo. O que antes era construído em décadas de cultura, hoje se dissolve em dias de viralização. Fenômenos como os produtos da ilustradora Bobbie Goods, os vídeos caricatos do grupo Labubus ou até a febre efêmera dos Morangos do Amor são exemplos claros de como as modas contemporâneas não apenas surgem com uma força avassaladora, mas também desaparecem quase no mesmo ritmo.
O motor desse ciclo não é apenas o entretenimento ou a criatividade, mas um mecanismo psicológico amplificado pelo digital: o FOMO (Fear of Missing Out). O medo de ficar de fora é hoje um vetor de comportamento que orienta gostos, preferências e até identidades. Na prática, muitas escolhas não são mais fruto de afinidade ou de construção pessoal, mas de uma pressão silenciosa: se todos estão falando disso, eu também preciso participar.

A ansiedade do pertencimento
Segundo Przybylski (2013), o FOMO é caracterizado pela ansiedade diante da possibilidade de que outros estejam vivendo experiências gratificantes das quais não participamos. Esse mecanismo se intensifica nas redes sociais, já que a exposição constante às experiências alheias cria um efeito comparativo permanente.
Plataformas como TikTok, Instagram e Twitter funcionam como verdadeiras vitrines globais do que “vale a pena” consumir. O indivíduo passa a sentir uma urgência constante de se alinhar ao que está em alta, não por interesse genuíno, mas pelo temor de se tornar irrelevante no círculo social digital. Essa dinâmica altera profundamente a forma como construímos repertório cultural.
Entre a dopamina e a exclusão
As modas relâmpago funcionam como um ciclo de dopamina coletiva. Quando algo viraliza, cria-se uma onda de engajamento imediato: vídeos, paródias, repostagens, interações. A cada curtida ou comentário, o usuário recebe pequenas doses de satisfação. Porém, esse prazer é volátil e se esgota rapidamente, obrigando o sujeito a buscar a próxima tendência.
Exemplos concretos ilustram bem esse processo:
- Bobbie Goods: com suas ilustrações coloridas e estética retrô, tornou-se um ícone digital de rápido consumo. Seu sucesso não se explica apenas pelo traço artístico, mas pelo caráter de “conteúdo instagramável”, capaz de gerar pertencimento imediato em quem compartilha.
- Labubus: grupo que ganhou destaque com vídeos cômicos e exagerados. A graça está menos no humor em si e mais no fato de todo mundo “estar rindo junto”, um meme coletivo que rapidamente perde força à medida que a novidade se desgasta.
- Morangos do Amor: febre em feiras e redes sociais, transformaram um doce simples em fenômeno cultural. O consumo ia além do sabor: era um ato performático, fotografado e postado para sinalizar participação em uma moda coletiva.
Esses casos evidenciam o que Bauman (2001) chamou de modernidade líquida: nada é fixo, tudo é consumido e descartado com velocidade. No digital, essa liquidez se acelera exponencialmente, criando um ambiente em que até o que é popular já nasce com prazo de validade.
O papel dos algoritmos e da economia da atenção
Outro fator determinante é a lógica algorítmica. Plataformas digitais são desenhadas para maximizar o tempo de tela, oferecendo ao usuário conteúdos que mais facilmente ativam respostas emocionais rápidas. Isso cria um feedback loop: quanto mais engajamos em tendências momentâneas, mais o algoritmo nos entrega novos conteúdos semelhantes, reforçando o ciclo de modas efêmeras.
Zuboff (2019) define esse processo como parte do capitalismo de vigilância, onde não apenas consumimos conteúdos, mas somos moldados por eles. Nossa atenção é mercantilizada e, ao mesmo tempo, condicionada. Assim, o gosto pessoal deixa de ser fruto de escolhas autônomas e passa a ser um subproduto de estratégias de mercado invisíveis.
O impacto no gosto pessoal e na identidade
A questão central é que o FOMO desloca a construção do gosto pessoal do eixo da autenticidade para o eixo da performance social. Em outras palavras, gostamos menos pelo que nos toca de verdade e mais pelo que nos mantém dentro da conversa coletiva.
Byung-Chul Han (2018) observa que vivemos na “sociedade do cansaço”, marcada por excesso de estímulos e pela necessidade constante de exposição. Nesse contexto, a identidade não é construída de dentro para fora, mas moldada pela ansiedade de não ser esquecido ou invisível.
Isso explica por que tantas pessoas seguem modas que não necessariamente refletem seus gostos individuais. Usam a roupa da tendência, compartilham a música do momento, fazem a dancinha do TikTok (não porque gostam, mas porque “não fazer” é quase equivalente a estar excluído). O gosto pessoal, assim, torna-se refém de uma lógica de pertencimento coletivo, deixando de lado a exploração genuína da singularidade individual.

A identidade refém da tendência
A ascensão e queda meteórica de modas como Bobbie Goods, Labubus ou os Morangos do Amor não são apenas fenômenos curiosos do nosso tempo: são sintomas de uma era em que a ansiedade de pertencimento supera a construção de identidade autêntica. O FOMO não apenas acelera o ciclo cultural, mas redefine a forma como sentimos prazer, escolhemos e nos relacionamos com o mundo.
Diante disso, surge a reflexão inevitável: se nossas escolhas culturais são cada vez mais ditadas pelo medo de ficar de fora, será que ainda sabemos o que realmente gostamos ou apenas seguimos coletivamente a próxima tendência para não sermos esquecidos?
