Empresa finlandesa famosa por produtos icônicos desde a década de 1990, apresenta nova identidade visual e novo posicionamento para mostrar que segue trabalhando em tecnologia de ponta para um mundo cada vez mais conectado e preocupado com sustentabilidade.
Se você viu o surgimento do mercado de celulares no Brasil, certamente já ouviu falar da Nokia. A empresa foi líder mundial do mercado de celulares nas tecnologias CDMA, TDMA e GSM por cerca de 14 anos consecutivos, desde meados da década de 1990 até o início dos anos 2000. Seus produtos eram famosos pela durabilidade e qualidade de construção (além do clássico game da cobrinha que conquistou uma geração inteira).
Como tudo começou
A história da Nokia começa bem antes de se pensar em falar em celulares, sua fundação aconteceu em 1865 por Fredrik Idestam, como uma fábrica de papel. Seu nome, fácil de ser pronunciado em boa parte do mundo veio do rio Nokianvitra, local onde fica a sua fábrica.
Ainda no século XIX, ela mudou o foco para fabricação de botas de borracha e armários de madeira e começou a se envolver no mundo da tecnologia química por conta de sua produção – cabe aqui ressaltar que tecnologias podem ser das mais variadas e não necessariamente tecnologias que utilizam eletricidade para existir.
A partir do século XX, em 1910 a empresa iniciou sua história na tecnologia mais próxima do que conhecemos, com a fabricação de cabos elétricos, por conta da eletrificação da Finlândia. Mas só na década de 1960, a empresa criou um departamento de eletrônica nessa fábrica de cabos, que iniciou o processo de crescimento voltado para comunicações. Surgia aí, em 1967, a Nokia Corporation com a junção de todas essas empresas: de fabricação de papel, de borracha e de cabos elétricos.
Em 1963 a empresa criou o radiotelefone, já em 1965 já lançava o primeiro modem desenvolvido para troca de dados. Em seguida, 1967, a empresa fundiu-se com a Finnish Cable Networks e a Finnish Rubber que trouxe novos tamanhos para a corporação e, em 1982, comprou a fábrica de televisores SALORA, criando uma joint-venture chamada Nokia-Mobira Oy, as empresas lançaram o primeiro telefone celular para automóveis, o Mobira Senator.
Percebendo as possibilidades desse novo mercado que surgia, a Nokia iniciava um processo de investimentos não só nos aparelhos e comunicação, mas também nas redes de transmissão de telecomunicações.
Tecnologia móvel e informática
O mercado de telefonia móvel e informática começa a se popularizar em 1980 e isso impulsionou a entrada da empresa nesses mercados, obtendo sucesso no desenvolvimento de computadores, monitores, televisores e outros aparelhos de comunicação que possibilitavam a recepção de conteúdos via satélite.
Com a internacionalização das telecomunicações que se iniciou em 1981, com a criação de uma rede internacional escandinava, a empresa lança em 1987, o primeiro aparelho portátil de telecomunicações, o Mobira Cityman. Bastante caro e pesado, ele custava mais de 4000 euros e pesava incríveis 800 gramas.
Esse processo de lançamentos de produtos móveis não parou mais. Sua posição de vanguarda se consolidou principalmente na década de 1990, com a tecnologia GSM, que padronizou as telecomunicações mundiais, a Nokia,sob seu próprio nome, começou a lançar aparelhos adequados para a tecnologia. Isso a colocou em uma posição de líder de mercado.
O primeiro aparelho com tecnologia GSM, Nokia 1001 foi o pontapé inicial para sua popularização mundo afora, o que não apaga seu histórico nas tecnologias TDMA e CDMA com telefones icônicos e populares como Nokia 5120 e 6100 – popularizados no Brasil, além do desejado e caro Nokia 8110 que ficou famoso por ser utilizado pelo personagem Neo, no filme Matrix.
Seus aparelhos carregaram, por muito tempo, os sinônimos de qualidade e comunicação, ao ponto em que foram copiados por muitas empresas, como a Gradiente, que sempre lançava aparelhos similares aos da finlandesa. Mas a Nokia tinha a responsabilidade da vanguarda. Posso aqui citar aparelhos como o Nokia 9000, ou Nokia Communicator, que trouxe, pela primeira vez um teclado QWERTY para um telefone e possibilitava a navegação na internet e o envio de mensagens e e-mails.
O modelo mais famoso, até hoje, é o Nokia 3110, conhecido como INDESTRUTÍVEL e figura em memes nas redes sociais como Instagram e Tiktok em vídeos ou fotomontagens que trazem a sua principal característica: (quase) impossível de quebrar!
Alguns aparelhos que merecem menção honrosa são o Nokia 6650, o primeiro com 3G que trazia a tela colorida e uma câmera fotográfica; Nokia N-Gage, celebrado pelos gamers como um aparelho que trazia vários games, mas que não funcionou bem por conta de seu formato inovador que mudava completamente a localização de suas teclas – problema sério de usabilidade, que a Nokia costumava repetir em suas criações, mas que não falarei muito por aqui; Nokia 1100, o famoso lanterninha, um dos celulares mais vendidos do mundo na década de 2000; e o Nokia N95 que possuía câmera lateral e formato inovador com fechamento FLIP, que buscava simular uma câmera de vídeo portátil.
A chegada dos smartphones
A Nokia saiu na frente também na criação do mercado dos aparelhos inteligentes, ela criou um sistema operacional chamado Symbian que, com características de assistente pessoal, trazia a possibilidade de acrescentar novas possibilidades ao celular, que deixava de APENAS fazer ligações e mandar mensagens, surgem aí os aplicativos que hoje dominam o mundo da tecnologia móvel.
Seu sistema era embarcado em celulares da própria Nokia mas também era utilizado pela Samsung, Sony Ericsson e Motorola. Um investimento em interface era o grande diferencial da plataforma e a sua possibilidade de baixar aplicativos na loja virtual trazia sempre a possibilidade de baixar novidades no seu próprio celular, sem a necessidade de comprar um novo.
Em paralelo surgiram outros sistemas operacionais móveis: o iPhone OS, que revolucionou o mercado de smartphones pela forma como a Apple trabalhou seus aplicativos e pela tela completamente touchscreen do iPhone, que obrigou o redesign de todos os aparelhos para o que temos até hoje: em barra e com poucos elementos, além da ausência de teclado.
Também começa a surgir o Android, da gigante google, que se popularizou rapidamente no mundo dos smartphones e levou as marcas parceiras da Nokia no Symbian, deixando-a sozinha e desatualizada.
Em 2013, a Microsoft tinha um sistema operacional focado no mundo corporativo chamado de Windows Mobile, já tinha lançado o Windows Phone, completamente remodelado, leve e rápido. Mas que tinha problemas sérios de falta de aplicativos para sua plataforma, por não incentivar desenvolvedores e, por consequência, aceitação das marcas por não oferecer vantagens a elas e não ter apelo do público.
A Nokia enfrentava problemas de mercado e estava instalada uma crise financeira que não conseguia ser sanada. A Microsoft faz, então, parceria com a finlandesa para lançar celulares com o sistema da americana embarcado. Foram 18 meses de lançamentos conhecidos por câmeras impecáveis, baterias duráveis e resistência inquestionável. Mas, ainda assim, ausência de aplicativos como Snapchat e Instagram que afastava os usuários.
A aventura do Windows Phone com a Nokia, teve no Brasil bastante sucesso, chegando a ser o segundo mercado das empresas provavelmente devido à fama da Nokia. Mas ainda assim, as linhas X, Asha e Lumia continuavam com vendas abaixo do esperado e figurando sempre atrás dos aparelhos concorrentes com Android, mas ainda à frente dos celulares da Apple até 2016.
Com as repetitivas falhas de estratégia de mercado da Microsoft e a sua desistência em investir em novos lançamentos de aparelhos e atualizações para Windows Phone, a Nokia deixa de fabricar smartphones. A Microsoft ainda segurou por um tempo a marca Lumia, sem Nokia até 2016, quando vendeu a divisão de telefones para a HIF Mobile Ltd. Essa empresa, até então desconhecida, é a dona da Foxconn, uma das maiores fabricantes de componentes do mundo. Ela firma uma parceria com antigos funcionários da lendária Nokia sob o nome de HMD Global, que trouxe novamente a marca Nokia para celulares.
Utilizando a mesma estratégia anterior da Nokia e toda trabalhada na nostalgia, a HMD utilizou o Android para voltar ao mundo dos smartphones e lançar aparelhos com bateria duradoura e resistência inquestionável, além de apelar para a memória de usuários saudosos dos clássicos como o Nokia 3310, relançado em cores e com o clássico jogo Snake. Além disso, alguns aparelhos mais conectados, como os Nokia 6, 5 e 3, foram lançados com mais funções e Android e fizeram sucesso em mercados como a China em 2017.
Hoje a empresa figura entre memes e memória de fãs saudosos (eu inclusive) de sua resistência a quedas e bateria que durava – pasmem – mais de uma semana… aprende Apple! A marca Nokia nunca saiu de cena, mesmo sem fabricar smartphones, sua divisão de infraestrutura de rede – Nokia Networks – seguia firme e funcionando, já a Nokia Technologies, seguia criando produtos como câmeras para realidade virtual, tablets, entre outros.
A identidade Nokia: respostas ao mercado
Depois de tanta história, idas e vindas, cheguei à marca. UFA!
A Nokia sempre teve diversas frentes de atuação e, mesmo sem estar no mercado de telefonia móvel ou até licenciando a sua marca para outras empresas, segue respeitada no mercado de tecnologia e de infraestrutura de telecomunicações, principalmente para o mercado corporativo, por isso ouvimos falar pouco dela.
Sua marca teve uma evolução bastante interessante ao longo do tempo e reflete muitas questões da época, como movimentos artísticos, questões culturais e mercadológicas, além do próprio posicionamento da marca que foi mudando ao longo do tempo com a aquisição de novas empresas e a entrada em novos mercados e negócios.
Sua primeira marca em 1865 trazia como elemento o salmão originário do rio Nokianvitra, local de sua fábrica com um traço que refletia a influência do final da Revolução Industrial e mais fortemente o Arts and Crafts: detalhado, com grande dificuldade de leitura, mas comum à época. Vale lembrar aqui que a fundação da empresa precede o início das vanguardas artísticas e do modernismo.
Naquele período a grande força visual vinha do próprio Arts and Crafts e, mais popular ainda, Art Nouveau, que se tornou um dos movimentos mais importantes do mundo das pré-vanguardas artísticas. Uma grande característica dos dois movimentos era a negação da industrialização que predominava o início do século XIX influenciada pela Revolução Industrial e o período Vitoriano no Reino Unido.
Na segunda marca, menos conhecida, de 1898, a empresa já trazia elementos do design modernista que estava dando seus primeiros sinais. Cabe lembrar que haviam muitos movimentos insurgentes que questionavam o excesso de ornamentos dos movimentos Arts and crafts e Art nouveau e deram o tom das artes visuais do final do século XIX até meados do século XX (questiono aqui se chegamos a sair dessa influência até hoje). A forma triangular da marca traz a sensação se segurança com a base mais larga, pode refletir um conservadorismo no posicionamento da empresa, mesmo investindo em novos mercados (botas de borracha e fios elétricos)
A terceira marca utilizada pela empresa foi lançada em 1965 e traz de forma muito forte a influência do modernismo que imperava na época e trazia influências do estilo internacional e da boa leitura, que dizia que a alta pregnância era elemento obrigatório em qualquer criação de designers e negava qualquer ornamento tipográfico ou formal. A forma é arredondada e traz o sentido de movimento para o leitor.
Um ano depois, em 1966, o logotipo é ainda mais simplificado e traz setas na sua lateral, ainda influenciada pelos movimentos modernistas, mas dessa vez inserindo cor à marca e as setas que trazem o sentido de crescimento, que reflete o momento da empresa, de aquisições, fusões e lançamentos de novos produtos de um mercado promissor que chegava: o da computação.
A marca permaneceu inalterada até o ano de 1992 e o redesign não alterou significativamente a tipografia, simplificando ainda mais a marca, tornando-a um logotipo direto e objetivo. O azul da marca ganha um tom mais escuro e inserida uma tagline: Connecting People. Essa taglone explicita o posicionamento da empresa na época áurea de sua existência no mundo da comunicação: O mercado de celulares.
Cada vez mais minimalista, a marca Nokia segue movimentos de mercado, influências artísticas em vigor e posicionamentos estratégicos da própria corporação que, ao longo de mais de 100 anos, vem percebendo movimentações e se adaptando à realidade do mundo conforme as possibilidades de atuação.
Redesign: uma nova Nokia
Ao longo de 158 anos de história, a empresa vem respondendo ao que o mercado fala, em alguns momentos ela mesma ditou o que o mercado deveria fazer e, mesmo em momentos de crise ou em momentos de grande força e crescimento, segue sendo respeitada por sua história e por produtos que lançou e modificou a história do mercado no qual estava focada naquele momento.
Em 2023 não foi diferente. Vivemos em um mundo imerso em informações, necessárias ou não, estamos sempre em contato com textos, áudios e vídeos. Acordamos informados e vamos dormir informados. Estamos sobrecarregados e isso reflete também na forma como vemos as coisas. Privilegiamos o que nos agrada e a identidade visual foi se modificando ao longo do tempo para isso.
Desde a retirada dos ornamentos, até os minimalismos que estamos vendo em várias marcas de diversos mercados – vale menção à HP que está passando por um processo cada vez mais forte de minimalização das informações visuais, até a própria apple, grande player do mundo da tecnologia.
A Nokia, que já trazia uma marca minimalista, sem nenhum ornamento, apresentou na última semana (26/02) a sua nova marca. Focando sua estratégia na sustentabilidade e surfando na onda – louvável – do ESG. A marca, segundo a empresa, “tem foco na inovação tecnológica B2B para impulsionar a digitalização em todos os setores”.
A nova marca, segundo a própria empresa, busca trazer a imagem de uma empresa energizada, dinâmica e moderna, explicitando seus valores e propósito. Baseado na colaboração, defendida pela empresa como fundamental para desbloquear ganhos e sustentabilidade.
“Hoje, compartilhamos nossa estratégia atualizada de empresa e tecnologia com foco em liberar o potencial exponencial das redes — sendo pioneiros em um futuro onde as redes encontram a nuvem. Para sinalizar essa ambição, atualizamos nossa marca para refletir que hoje somos — líderes em inovação tecnológica B2B. Esta é a Nokia, mas não como o mundo nos via antes.” diz o comunicado da empresa
A nova estratégia corporativa é focada em: crescimento na participação no mercado de provedores de serviço; ampliação na participação de empresas no mix de clientes; manter o seu portfólio como líder nos mercados de atuação; investir ainda mais em pesquisa e desenvolvimento do seu braço de tecnologias; implementação de novos modelos de negócios como serviço; e tornar-se um player confiável conforme o setor colocando o ESG como vantagem competitiva.
Falando em design
A marca parece conversar com o período atual, sim, traz uma sensação de movimento e de possível crescimento, suas aplicações mostram haver uma preocupação de trazer a marca para um mundo mais orgânico e menos mecânico, mesmo que a tipografia não diga isso à primeira vista.
Devo deixar claro que sim, gostei da nova marca, mas ainda assim reconheço que há falhas nela. A tipografia possui algumas partes excluídas das letras N, K e A. o que pode gerar dificuldade de compreensão em alguns públicos não familiarizados com a marca e, ao invés de lermos NOKIA, pode ser compreendido como AOCIA
Sei que virão defensores da Gestalt e suas leis, mas, em minha defesa, falo: A letra utilizada para completar o N e o K é redonda e não traz a base para compreensão de ambas rapidamente. Na animação que a empresa compartilhou inicialmente faz sentido perceber o movimento de que já uma parte da letra escondida, mas nas imagens estáticas não é tão claro.
Além disso, quando nos falam sobre sustentabilidade estar explícita na marca, não consegui ver isso, apenas nas aplicações, belíssimas, que fizeram para apresentar a marca. Mas cabe aqui lembrar que a Nokia não fala para o público geral atualmente, ela tornou-se uma empresa B2B e fornece soluções para um mercado corporativo e que não precisa de tanto apelo popular.
Esse processo de minimalização que parece ter contaminado todas as empresas, está rendendo questionamentos sobre a compreensão do que essas imagens estão explicitando. Lembro-me do processo da HP sobre isso (imagem acima), que me fez refletir sobre a real necessidade de reduzir TANTO os elementos.
Sou entusiasta do minimalismo e busco, inclusive, sê-lo. Mas precisamos lembrar sempre, como designers, que não somos o público. Acho que precisamos de mais estudos sobre a percepção e compreensão do nosso principal cliente: o USUÁRIO.
O que vocês estão achando desse processo?