Bailimo Rounded reflete a sofisticação do barroco com um toque atual

Bailimo Rounded reflete a sofisticação do barroco com um toque atual

Por Azarias Junior Hele

A tipografia sempre foi mais do que uma simples forma de escrever. Durante séculos, reis, governos e instituições compreenderam que as letras têm poder: moldam discursos, criam identidades e, em muitos casos, servem como instrumentos de autoridade. Um exemplo marcante vem da França do século XVII, quando o rei Luís XIV encomendou a criação de uma fonte exclusiva, conhecida como King’s Roman.

Não se tratava de um conjunto qualquer de letras. Era uma declaração visual de poder. Diferente das caligrafias tradicionais da época, esta fonte foi construída com base numa grelha matemática desenvolvida pela Academia de Ciências de França. O trabalho foi entregue ao mestre gravador Philippe Grandjean, que dedicou décadas a cortar, à mão, milhares de caracteres em metal. Mais de quatro mil letras, entre maiúsculas, minúsculas e estilos diferentes, todas meticulosamente desenhadas para reflectir a grandeza da monarquia francesa.

A fonte tornou-se um símbolo real e permaneceu oficial durante mais de cento e cinquenta anos. E não era algo que qualquer pessoa pudesse usar: na França do século XVII, imprimir sem autorização do rei podia custar a vida. Isso mostra como, em certos momentos da história, a tipografia foi tratada como questão de Estado.

Não é apenas em França que encontramos exemplos assim. Muitas tipografias que usamos hoje nasceram em contextos semelhantes, ligadas ao poder real ou religioso. Giambattista Bodoni, por exemplo, desenhou a sua famosa fonte a pedido da Igreja Católica, através da Congregatio de Propaganda Fide. É curioso pensar que até a escolha de um tipo de letra podia estar ao serviço de estratégias políticas e de propaganda.

Em Moçambique, também encontramos padrões institucionais que revelam uma relação particular com a tipografia. O governo utiliza, de forma recorrente, a Times New Roman nos letreiros dos ministérios e em documentos oficiais. Nas universidades, a mesma fonte continua a ser a escolha dominante em monografias científicas, com a Arial a servir de alternativa sempre que necessário. Esta preferência quase automática por fontes criadas fora do continente pode ser lida como reflexo de uma dependência cultural e tecnológica: adopta-se o que é reconhecido internacionalmente como formal, em vez de se investir na criação de uma identidade tipográfica própria. Ao mesmo tempo, isso evidencia uma certa padronização da comunicação visual oficial, onde a forma gráfica das letras é entendida mais como requisito de legibilidade e burocracia do que como veículo de identidade ou expressão cultural.

E se viajarmos no tempo até ao presente, percebemos que essa relação entre fontes e identidade continua viva, mas de formas mais subtis e diversificadas. É aqui que podemos olhar para um exemplo moçambicano: a Bailimo Rounded, criada em 2024 pelo designer Aboubakar Bin.

A inspiração inicial veio do lettering estilizado do logotipo da TMCEL, mas rapidamente a proposta ganhou vida própria. O que começou como uma tentativa de alinhar discurso e imagem de marca transformou-se num projecto independente, pensado para dar voz a trabalhos que procuram transmitir amizade, proximidade e confiança. O autor descreveu-a como “uma tipografia criada com o objectivo de ser a solução para projectos que buscam ter uma voz gráfica diferenciada, conferindo à comunicação uma sensibilidade amistosa e confiante.”

O processo, documentado desde a sua génese nas redes sociais, revelou um rigor técnico notável e, gradualmente, a Bailimo Rounded foi-se afirmando como uma tipografia versátil, capaz de integrar diferentes meios de comunicação e de transmitir uma mensagem que ultrapassa o simples arranjo de caracteres. Num país onde a tipografia ainda é explorada de forma tímida, este projecto abre espaço para imaginar futuros possíveis, em que novas fontes locais possam emergir, inspiradas por referências culturais próprias, mas dialogando com o mundo.

O desafio que fica é perceber como uma fonte como a Bailimo poderá subsistir no mercado moçambicano, como será adoptada em projectos gráficos, digitais ou editoriais, e de que forma poderá inspirar outros designers a arriscar no mesmo caminho.

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