Fala criativos!
Hoje vamos elucidar um pouco sobre duas vertentes artísticas que se confundem muito em questão de nomenclatura aqui no Brasil, falaremos primeiramente sobre Graffiti e na sequência sobre Street Art e como estas duas se comunicam e co-habitam o mesmo espaço urbano.
Aqui no Brasil temos a tendência de englobarmos ambas vertentes artísticas sobre o mesmo rótulo, no caso “Grafite”, e também temos o costume de colocar a pixação como uma manifestação a parte, muitas vezes considerada mais como um ato de vandalismo do que uma expressão artística pelo grande público. Para conseguirmos compreender as diferenças cruciais entre as duas precisamos primeiramente contextualizar historicamente o aparecimento de cada uma, comecemos pelo Graffiti.
GRAFFITI
Graffiti é uma palavra derivada de “Grafito” / “graffiato” que na língua italiana significa “arranhões”, se refere as escritas na parede que são realizadas desde o antes do império romano nas grandes cidades da antiguidade. Muito dessas escritas eram desde informativas ou demarcadoras , mas desde aquela época o Graffiti já possua uma caráter transgressor, visto que muito do que era escrita estava arraigado a algum aspecto da cultura local, seja um protesto, uma denúncia ou uma paródia. Abaixo dois Graffitis da antiguidade, um realizado no Egito e outro em Pompéia:
Durante início do século 20, era muito comum durante as duas guerras mundias os soldados fazerem Graffiti para demarcarem seus nomes pelos lugares que passaram, como uma forma de registro de até onde foram ou de onde morreram.
O Graffiti moderno feito com tinta spray como conhecemos hoje é um movimento de arte moderna que surgiu como uma expressão do individu, uma forma de validar sua existência na opressiva metrópole, durante a década de 60 e inicio de 70 se tornou mais proeminente na periferia das grandes metrópoles como Nova York. Alguns dos praticantes mais famosos desse período foram Taki 183 e Cornbread, para Taki isso se tratava apenas de uma brincadeira que ele praticava ao sair pela cidade como mensageiro postal e deixar seu nome com o número da rua que morava como forma de registro.
Essa primeira forma de Graffiti hoje é conhecida como “tagging”, ou seja, a unidade básica é a “Tag” (nome) da pessoa que a escreve, é a assinatura do “Writer” (escritor). Aqui no Brasil fazemos a clara dissociação dessa forma de expressão do restante do movimento chamando isso de “pixação” quando isso se trata da essência da expressão artística do Graffiti. Deixar a sua marca/nome na cidade é o objetivo do Graffiti, no decorrer da década de 70 e 80, grupos de jovens de Nova York começaram a colocar seus nomes através de tags em diversos espaços públicos, mas proeminente no sistema metrô por um simples detalhe: Em uma época em que não havia internet, a melhor maneira de disseminar seu trabalho era em uma mídia que conseguisse estar em toda a cidade, em outras palavras, os trens. O filme Style Wars retrata muito bem esse período da história:
O movimento de Graffiti foi se desenvolvendo em paralelo com o movimento hip-hop que como sabemos hoje em dia se trata de um grande movimento cultural com a pretensão de valorizar a cultura da periferia das grandes metrópoles através de diversos segmentos da arte (Break Dance, Rap e Graffiti). Nesse período aqueles mesmos garotos que começaram o movimento amadureceram seu trabalho, inspirados pelas histórias em quadrinhos e desenhos animados ele começaram a desenvolver tipografias mais complexas e desenvolvidas, o que hoje muitos chamam de “Piece” (peça). O filme “WildStyle” demonstra bem essa mudança cultural:
A partir desse momento o Graffiti começou a ganhar um destaque na mídia, tanto pelo perfil transgressor como pelas alegações de vandalismo, mas muitos conseguiram reconhecer que o movimento tinha um cunho artístico e logo muitos dos jovens pioneiros desse movimento foram convidados para participar de exposições em galerias. Hoje vemos diversos Writers tendo seu trabalho reconhecido como uma forma de arte e não mais como vandalismo, embora a prática do Graffiti de maneira ilegal ainda seja muito difundida como a única verdadeira forma de se praticá-lo, visto que por muitos ele ainda é vista como uma arte que não pode ter restrições de local ou de interesses e representar apenas o desejo de seu escritor. Abaixo a tela do artista Seen:
Muito comum é afirmar que o Graffiti é antes de tudo o registro do nome do escritor, assim o foco é o registro, seja através da Tag ou de suas variações mais complexas (Throw-up/bomb e Piece/Wild Style), logo o uso de personagens e outras imagens figurativas nunca deverá sobrepor o nome, apenas acompanhá-lo. Eis uma foto do trabalho moderno do escritor Smash 137 em uma galeria de Detroit:
STREET ART
A arte de rua também possui uma história antiga que provém desde as antigas civilizações, se pensarmos em todos os murais e grandes pinturas realizados em templos e igrejas, fica claro que a arte de rua é um movimento muito focado no figurativo e representacional e menos na escrita como é o caso do Graffiti.
Podemos alegar que a arte de rua na representação atual “ressurgiu” junto com o movimento de Graffiti moderno, artistas como Keith Haring e Jean-Michel Basquiat estavam no meio do burburinho das grandes metrópoles durante esta mesma época, contudo é possível ver claramente que diferente dos escritores de Graffiti, ambos os artistas tinha muito mais um cunho informativo e figurativo em sua arte do que a demarcação de seu nome. Vejamos algumas fotos abaixo:
Contudo, enquanto o Graffiti teve sua renascença muito focada nos Estados Unidos, a arte de rua teve seu renascimento moderno e transgressor em diversas partes do mundo simultaneamente. Um dos artistas mais proeminentes na França é Blek Le Rat, que desenvolveu um famoso trabalho de stencil, midia que lhe permitia trabalhar com calma em sua mensagem e aplicá-la de forma rápida nas ruas sem ser pego:
Anos depois, um nome claramente se tornou extremamente popular nos anos 2000, obviamente estou falando de Banksy. Boa parte do sucesso do artista está claramente não só na linguagem que este adotou para as suas obras, mas principalmente pelo fato de que ele nunca se prendeu a apenas a uma mídia, usando desde stencils, esculturas, pinturas, colagens, instalações e até recentemente um parque de diversões inteiro. Outro fator muito importante é o momento histórico em que ele emergiu: Na década de 2000 vimos uma crescente na comunicação, particularmente por causa da internet, o que possibilitou que um artista britânico ficasse conhecido mundialmente. Um ótimo insight na arte de rua moderna e no impacto que Banksy teve é o filme “Exist Through The Gift Shop”:
BRASIL
No Brasil, assim como diversas tendências culturais, tivemos certo atraso para adotar certas práticas artísticas. Contudo, tanto o Graffiti em sua forma mais clássica em forma de frases de protesto já existiam há muito tempo, assim como os murais pintados pela cidade. Em seu livro “Graffiti Brasil”, Tristan Manco afirma que o período da ditadura militar foi crucial para o desenvolvimento do Graffiti e Arte de Rua brasileira, visto que assim como nesse mesmo período vimos diversos movimentos culturais como a MPB sendo utilizados como um veículo de protesto contra o governo opressor, a pixação virou um movimento crescente como forma de expressão. Um dos pioneiros da arte de rua no Brasil foi o artista Alex Vallauri, que criava stencils de botas, cupidos e demônios e os espalhou por São Paulo:
Inspirados pelo trabalho de Alex, outros artistas como Jorge Tavares e Celso Gitahy começaram a fazer stencils pela cidade. Paralelo a isso, alguns artista começaram a criar murais a mão livre usando tinta acrílica e tinta spray, nomes proeminentes são do americano radicado no Brasil, John Howard assim como Rui Amaral, hoje conhecido como um dos embaixadores do gênero artístico no Brasil.
Dessa maneira, a partir dos anos 80 ficou claro que havia uma divisão nas ruas entre o “grafite de murais”, que englobava tanto o Graffiti em suas formas mais complexas como a Arte de Rua, da pixação, que se baseava apenas no princípio básico do Graffiti de marcar a cidade com sua Tag. Durante os anos 90 grandes nomes do Graffiti atual surgiram, pessoas como Onesto, Herbert Baglione, Os Gemeos e Nunca começaram suas carreiras tanto inspirados pelos precursores do movimento no país como por artistas estrangeiros que foram atraídos pelo exoticidade do Graffiti brasileiro e começaram a visitar o país.
CONCLUINDO
Independentemente da expressão artística, é sempre necessário que tenhamos mente aberta para todas as novas abordagens criadas pela expressão humana. Na nomenclatura estrangeira existe uma diferenciação que deixa claro que Graffiti é um arte que está focada na propagação do nome do escritor de Graffiti pela cidade, seja através de um murais legalizados como por práticas ilegais usando Tags / Throw-ups e Pieces. As demais intervenções são consideradas sobre essa ótica como Arte de Rua, principalmente se não utilizarem tinta Spray e não focarem no nome do escritor.
Contudo, como já foi contextualizado, aqui no Brasil não utilizamos essa nomenclatura visto que ambos os movimentos em sua forma moderna surgiram de maneira concomitante no pais e logo a única diferenciação que foi feita é em relação a pixação por uma questão do grande público ainda ter um grande preconceito.
Existem diversos blogs, sites e documentários que sobre ambos os assuntos na internet, deixamos claro que apenas demos uma breve introdução sobre ambos os assuntos nesse post, logo convido vocês leitores a lerem mais sobre o assunto e a comentarem o que acham sobre o assunto, nos vemos no próximo post.