Indicado em 13 categorias do Oscar e já vencedor de 2 Globos de Ouro, a nova aventura cinematográfica de Guillermo Del Toro supera em termos de crítica e prêmios o seu aclamado O Labirinto do Fauno, obra que resultou em 3 Oscars em 2007. Nessa nova empreitada, Del Toro fascina por identificar as semelhanças entre dois seres completamente diversos e extrair disso uma relação amorosa que dificilmente será esquecida.
A obra mergulhou em estranhezas diversas para compor um material único no cinema. O roteirista e diretor ambientou a narrativa no período da década de 60, em plena Guerra Fria e a disputa espacial travada entre EUA e URSS. Nessa época, militares e cientistas dividiam os mesmos prédios no intuito de unirem forças para vencer a batalha armamentista. Elisa Esposito é uma faxineira muda desse departamento, detentora de uma visão única sobre sua vida simplória e fascinante ao mesmo tempo. O apartamento onde reside fica em cima de um cinema que carrega todo o glamour dos anfiteatros do século XX e retrata bem a diferença entre a exuberância da arte e a vida simples levada pela moça.
O apelo visual é um elemento importante do filme, que se vale da aclimação de meio século atrás para apresentar ambientes precários que escondem a fábula que embaça todo o restante. A criatura (interpretada por Doug Jones, o Fauno de O Labirinto…) estudada nesse laboratório foi capturada na Amazônia e a equipe a ostenta como sua chance de vencer a corrida espacial. Como toda cobaia, os sentimentos do anfíbio humanoide não são levados em consideração, o que leva Elisa a desenvolver uma linguagem única com o ser, seduzido por ovos cozidos, música e toques afetuosos.
A partir disso, surge um romance regado a sensualidade e sensibilidade. Os personagens ao redor são desenvolvidos com mais profundidade a partir do momento que têm que lidar com a forma e com Elisa. Os atores Octavia Spencer, Richard Jenkins e Michael Stuhlbarg são, respectivamente, Zelda, Giles e o Dr. Robert Hofflsteler, a colega de trabalho e o vizinho que auxiliam Elisa a manobrar e ocultar o segredo roubado do laboratório do Dr. Robert com ajuda do próprio.
Merece destaque a atuação de Michael Shannon como Richard Strickland. O militar é o responsável pelos estudos para com o anfíbio sul-americano e demonstra que a vilania pode vazar dos aspectos mais comuns da vida humana. Mesmo não dependendo de um aquário para sobrevier, Strickland poderia ser considerada como a criatura realmente ofensiva da trama em comento.
Roteiro à parte, o quesito estético da obra vale alguns comentários. Não à toa, das 13 indicações ao Oscar, 3 são destinadas ao elenco (Octavia Spencer e Richard Jenkins como coadjuvantes e Sally Hawkins como melhor atriz), 2 vão para o filme e para o diretor e o restante se direciona às categorias técnicas. A trilha sonora original de Alexandre Desplat já lhe rendeu um Globo de Ouro pelo requinte e pela delicadeza do tema.
A fotografia de Dan Lausten apela para o jogo de sombras e luz numa mescla constante de verde, azul e marrom; ângulos abertos permitem que o espectador tenha acesso aos cenários que retratam com fidelidade toda a frieza de um laboratório militar, assim como a aconchegante vida simples que Elisa leva junto ao vizinho artista e amante de gatos. Isso favorece a amostragem do Design de Produção da obra. Esse departamento foi caprichoso com o banheiro de Elisa, cenário constante tanto da protagonista em sua intimidade solitária, como acompanhada de uma forma inusitada, o que rendeu uma das cenas mais memoráveis do ano.
O filme indiscutivelmente é de arte, mas ao se despir dos conceitos comuns do gênero, o público será agraciado com uma fábula sensível, do tipo de vida que só a sétima arte poderia retratar. Falando em sétima arte, o diretor fez questão de prestar sua homenagem ao cinema através do televisor constantemente ligado de Giles para simbolizar os grandes clássicos do início do século passado. Afora isso, o cinema que funciona embaixo do apartamento de Elisa é um lembrete constante dos ares clássicos sobre os quais a trama se debruça.
Del Toro é um amante de criaturas mitológicas e não esconde as referências ao seu filme favorito, O Monstro da Lagoa Negra, de 1954, do diretor Jack Arnold, para sua nova obra-prima. A sensualidade do romance não nega a nudez, embora essa ferramenta seja utilizada em dosagem correta. O fato de a protagonista ser muda também foi um estalo que só reforça a delicadeza e o apelo ao incomum, sem deixar passar a representatividade uma Hollywood cada vez mais solidária.
Por todo exposto, é certo apostar em algumas estatuetas no próximo 4 de março para o diretor mexicano extasiado em formas estranhas. Del Toro beira os contos de King Kong ao apresentar um casal diferente que conquista a torcida da plateia através de duas atuações que não utilizam a fala para nenhum diálogo e conseguem transmitir mais realidade do que longas que exageram nesse aspecto. Ao comparar o húngaro Corpo e Alma, fica claro que o romance maduro foi muito mais bem aplicado em A Forma da Água e isso não é algo que se veja todo dia.
O longa estreia nessa quinta-feira, 1 de fevereiro. O trailer pode ser conferido no link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=lyMxImXxBKA