A sobrevivência da democracia passa pelo domínio estratégico da Comunicação Digital

A sobrevivência da democracia passa pelo domínio estratégico da Comunicação Digital

Por Ciro Leimig

Uma lógica permanente da experiência humana é que dá muito mais trabalho alcançar objetivos sendo ético, sempre! Em um contexto ilimitado, se você não se importa verdadeiramente com o coletivo, pode encontrar saídas fáceis manipulando o contexto, enganando as pessoas em detrimento das quais seu sucesso terá mais chances de acontecer: a tal “esperteza”, que, ao meu ver, difere muito da “inteligência”. Ao longo do tempo, no entanto, criamos limites para que ações individuais não sufoquem o coletivo. Desenvolvemos o debate, a política, criamos diversos protocolos — aos quais chamamos leis — para garantir a vantagem do coletivo. Podemos discutir criticamente, claro, até que ponto as leis são praticadas, mas também devemos admitir que conseguimos muitos avanços sociais ao longo dos séculos. Esses avanços, porém, aconteceram no meio físico, que habitamos há milênios. No meio digital, que passamos a ocupar há poucas décadas, os protocolos ainda servem ao individual. O atual mundo real — híbrido, físico e digital — carece de novas leis e de inteligência.

A realidade está posta (e já não há mais tempo para divagações): o extremismo político de contornos fascistóides vem numa crescente ofensiva, capturando os mais desmemoriados e influenciando os menos informados. A estratégia dos extremistas é sempre muito clara: confundir, desinformar e afastar seu rebanho de informações seguras, cultivando nele o medo e a raiva, e nutrindo uma revolta vazia que serve a propósitos partidários específicos, utilizando pautas polêmicas que colocam em xeque, sempre, os grupos mais frágeis da sociedade — aqueles que já precisam lutar para continuar vivos. Isso, entre outras práticas asquerosas.

E aí eu pergunto: qual é a estratégia dos progressistas, dos democratas? Mais especificamente, qual é a estratégia de comunicação do atual governo do Brasil?

A comunicação gira em torno de dois fatores cruciais: timing e pautas. Qualquer estratégia de comunicação digital bem-sucedida se dá pela antecipação do que pode ser pautado. Isso ocorre ‘de dentro para fora‘, desde que haja domínio sobre o potencial de engajamento de cada pauta, do quanto cada uma é relevante para as pessoas e de como devem ser exploradas de forma ativa; e ‘de fora para dentro‘, estudando o contexto para entender que tipo de pautas podem vir a afrontar sua estratégia, facilitando remediações e invertidas capazes de transformar limões em boas caipirinhas.

Mas, por enquanto, o presidente Lula sequer entende que o mundo digital e o “mundo real” são a mesma coisa, e a Secretaria de Comunicação (SECOM) está mais perdida do que Bolsonaro nas convenções da ONU, sem saber de onde pode vir o próximo ataque.

A realidade dói para quem entende minimamente o que se passa: desinformação generalizada, pessoas sendo separadas por algoritmos e perdendo a capacidade (e a paciência) de se comunicarem fora das suas zonas de conforto super-reforçadas pelos feeds “personalizados” das redes sociais. Em paralelo, enquanto a extrema direita se empanturra das possibilidades de um mundo digital desregulamentado e experimenta todos os tipos de produtos de comunicação — de canais de YouTube que vendem conspiração e revisionismo histórico como educação a podcasts verborrágicos —, projetos de lei regulatórios da internet avançam numa lentidão catastrófica, endossando indicadores como estes:

  • Pesquisa (2024) revela que quase 90% dos brasileiros admitiram já ter acreditado em notícias falsas, pautando propostas de campanhas eleitorais (63%), políticas públicas como vacinação (62%) e escândalos políticos (62%). Fonte: Agência Brasil
  • Relatório (2023) do Reuters Institute (Universidade de Oxford) revela que o Brasil está entre os países com maior preocupação em relação à desinformação, com 85% dos brasileiros “muito ou extremamente preocupados” com a distinção entre o que é real e o que é falso na internet em relação às notícias. Fonte: Reuters Institute
  • Pesquisa da OCDE (2024) destaca que os brasileiros são os que mais consomem e confiam em informações provenientes de mídias sociais: 20% das pessoas confiam muito nessas plataformas, enquanto a média global é de 9%. Além disso, aqueles que mais acreditam nas mídias sociais têm pior desempenho na identificação de notícias falsas, acertando apenas 54% das vezes. Fonte: Jornal USP
  • Relatório da Fundação Getulio Vargas (FGV DAPP, 2024) destaca o crescimento do uso de deepfakes e perfis automatizados para espalhar fake news e descredibilizar adversários políticos. O estudo apontou que mais de 20 mil postagens identificadas durante as eleições de 2022 usavam deepfakes ou manipulação de imagens e vídeos.
  • Estudo realizado durante a pandemia de COVID-19 revelou que, apenas nos seis primeiros meses de pandemia, 329 fake news relacionadas à COVID-19 foram disseminadas, principalmente via WhatsApp e Facebook. As categorias mais frequentes incluíram política (20,1%), epidemiologia e estatísticas (19,5%) e prevenção (16,1%). Fonte: PMC

São só alguns exemplos, entre muitos.

A SECOM do governo Lula, pelo bem da manutenção da democracia, precisa de estratégias para aprender a se comunicar com a sociedade no mundo real atual (que não é mais só físico), reunindo e qualificando dados que permitam a antecipação. Além disso, precisa de estratégias de experimentação rápida de soluções potencialmente eficientes de conexão com a sociedade. Para isso, precisa de capacidades que, aparentemente, não tem.

Mas aí você pode ser catastrofista e dizer que esse governo é uma negação completa e que não vai conseguir agir estrategicamente no mundo digital. E eu poderei ser ainda mais, afirmando que enquanto nós, sapiens, tentamos sobreviver às nossas próprias mentiras, o mundo físico já não nos suporta mais — e que a verdade climática já delineada no último Relatório do Clima, de 2024, deveria ser a principal pauta de um mundo humano unido cada vez mais improvável, tal qual a sobrevivência da nossa espécie.

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