Olá pessoal!
Hoje gostaria de falar sobre o retorno de Charlie Kaufman, isso mesmo. O roteirista que após a produção de Sinédoque, Nova York, em 2008, quando dirigiu seu primeiro longa-metragem, andava meio sumido. Volta a telona com uma surpreendente e empolgante trama, feita em stop-motion, financiado por meio de crowdfunding. Para quem não lembra Kaufman foi a mente por trás do roteiro de Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004), (2002) e Quero Ser John Malkovich (1999).
Sua nova aposta é em “Anomalisa”, que no Brasil estreia dia 28 de janeiro de 2016. O filme foi um dos destaques do Festival do Rio 2015, além de que foi visto no 40º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2015.
SINOPSE: O Filme segue um orador motivacional célebre viajando pelo país, Michael Stone (David Thewlis, o Remus Lupin de Harry Potter) mudando a vida de inúmeras pessoas. Mas no decorrer de transformar os outros, sua vida tornou-se oca e sem sentido. É uma existência cinzenta e monótona, onde as pessoas literalmente parecem e soam idênticas.
De repente, um dia, uma voz de menina penetra através do véu do nada. Ela o preenche com tanta pressa de “estar vivo”, ela é Lisa (Jennifer Jason Leigh, eXistenZ). Michael, está disposto a abandonar tudo e todos, incluindo sua própria família, e fugir com ela para uma vida melhor.
CRITICA: Anomalisa é o filme mais acessível da carreira do cineasta – o oposto do hermetismo de Sinédoque, Nova York. A história é simples, os diálogos, idem, embora reveladores. Há humor e até sensualidade (têm nu frontal) nos bonecos.
Do cartão magnético de quarto de hotel que só funciona na quinta tentativa, passando pelo small talk (a conversinha fiada) do taxista que conduz Michael Stone no início do filme, até a maneira como uma pessoa se mostra para um desconhecido, as sutilezas do cotidiano e as complexidades das relações humanas são capturadas (mais uma vez) com precisão por Kaufman e sua equipe.
Stone passa uma parte do filme questionando o próprio mundo que ele vive e, em especial, sua própria identidade. Ele olha para o seu rosto no espelho e pergunta-se o que se esconde atrás dele; o que há de oculto além da aparência; aquilo que as pessoas comumente chamam de personalidade. A angústia de Stone provém do fato de que ele não consegue propriamente se definir e, muito menos, entender e definir os outros. Desprovido de qualquer traço marcante a seu redor, ele se vê constantemente nadando contra uma correnteza de mesmice, desesperado, tentando se agarrar a qualquer coisa. Lisa, então, aparece como uma rocha salvadora. É interessante perceber como Kaufman faz Stone, em um mundo onde todos foram condicionado a parecerem iguais e a pensarem a mesma coisa, aparecer como o último homem que carrega a bandeira da diversidade.
Anomalisa cumpre a função do cinema, em última análise, de emocionar (para o bem e para o mal). É o mundo pelo ponto de vista dos losers – ou, pelo menos, por quem tem coragem de admitir as derrotas. De cortar o coração. Mas quem disse que o mundo é justo? O mal de tudo não está na sociedade; ele está plantado bem dentro de você.
Em entrevista Kaufman, falou um pouco sobre o novo projeto, a carreira… segue abaixo.
- Como nasceu o projeto?Um amigo assistiu à peça em 2005 e gostou muito. Entre 2005 e 2012, ele estabeleceu um estúdio de animação e me perguntou se poderia adaptar a história em uma animação em stop-motion. Eu respondi: “Ok, se conseguir arrecadar o dinheiro.” Depois disso, eles começaram uma campanha no Kickstarter e conseguiram o valor necessário para dar início ao projeto.
- Como foi trabalhar com o stop-motion?Quando optamos por fazer um filme, começamos a pensar em como desenvolver esta peça em um formato diferente, com uma forma visual. Era uma peça não-visual. Com o stop-motion, começamos a pensar elementos metafóricos e esquemáticos da animação que serviriam para a história. Com isso, o aspecto visual da história começou a ser desenvolvido.
- Anomalisa é uma obra bem singular, principalmente por causa da ideia de todo o mundo ter a mesma voz. Você acha que este é um problema no mundo atual, encontrar vozes originais?
Acho que o filme é sobre muitas coisas, mas acho que a situação que o Michael (personagem principal) se encontra é que ele não consegue enxergar as pessoas, não consegue se conectar. Acho que é um problema específico do Michael. Pode acontecer com outras pessoas, mas não sabemos, pois estamos na cabeça dele. É sobre sua luta por conectar. Mas é claro que a nossa sociedade também influencia pro tipo de comportamento que vimos no filme. Há no mundo um desencorajamento da intimidade, da vulnerabilidade. - Foram sete anos entre Sinédoque, Nova York e Anomalisa. Por que levou tanto tempo para lançar um novo projeto?
Eu venho trabalhando sem parar. Eu escrevi três roteiros desde 2008. Também escrevi três pilotos para séries de TV. Produzi e dirigi um destes pilotos. Estou fazendo Anomalisa desde 2012 e estou escrevendo um livro nos últimos anos. Eu venho tentando fazer as coisas acontecerem desde Sinédoque, Nova York. Não foi minha escolha. Eu não consegui fazer os projetos acontecerem.
- Você começou como roteirista e este é seu segundo filme como diretor. Este é um caminho sem volta? Você vai continuar a dirigir os seus roteiros?
Sem dúvida, é o que quero. E acho que uma das dificuldades que sofri neste meio tempo foi por esta vontade de também dirigir. Sinédoque, Nova York não rendeu bem comercialmente e desde de 2008, os estúdios começaram a ficar cada vez mais conservadores por causa da economia. Mas a resposta é: sim, eu espero continuar dirigindo. Eu gosto de dirigir. Comecei como roteirista pois tentava alguma forma de entrar no mercado, mas eu fiz faculdade de Cinema e sempre desejei ser um roteirista e diretor. Não foi algo que eu decidi após minha carreira como roteirista começar. - Como foi a experiência com o crowdfunding? Acha que esta é uma importante ferramenta nos dias de hoje?
Não sei. Certamente ajudou. Foi importante para fazer o projeto começar a andar. Jamais conseguiríamos o financiamento de um grande estúdio, que nos permitisse fazer as coisas nos nossos termos. Keith Calder, que financiou boa parte do filme, acabou sabendo do projeto pelo Kickstarter. Certamente devemos muito ao Kickstarter. Sobre a importância da ferramenta, é uma pergunta complicada. Pois eu tenho um nome conhecido. O Dan também é conhecido no meio. É difícil dizer que conseguiríamos fazer algo sem este reconhecimento prévio. Não sei se seríamos bem sucedidos. Seria ótimo que o Kickstarter funcionasse também para pessoas não muito famosas, mas não posso dizer que é sempre assim. - Talvez por causa de Adaptação, muitos consideram o seu trabalho autobiográfico. O que existe de Charlie Kaufman em Anomalisa?
É uma pergunta difícil de responder. Acho que meus trabalhos são autobiográficos porque eu os escrevi e tento ser honesto e verdadeiro na minha escrita. Então, partes de mim estarão no texto. Mas em termos específicos, não é a minha história. É a história do Michael. Sinto que meu trabalho é muito pessoal. E eu quero que seja muito pessoal. Mas também sinto que mantenho uma distância da minha vida pessoal. Acho que revelo o tanto que eu quero revelar em meu texto. - É mais fácil dirigir atores ou bonecos de massinha?
São coisas muito diferentes. E a verdade é que na animação você faz os dois, pois você também dirige o ator e o tom que eles vão empregar no filme. Eu gosto dos dois trabalhos, adoro a combinação. Adoro trabalhar com atores, quando o ator é legal. O que tem sido a minha experiência até agora. Desde criança tenha interesse no mundo da atuação. Atuei muito quando pequeno e adoro pensar no que os atores conversam e refletem sobre seus personagens. É muito diferente trabalhar com bonecos, não há esta espécie de interação caótica no set. Há um rascunho, você lida com os animadores, mas não é a mesma coisa de estar num set de “live action”.
Bom filme a todos!
;)