O Design Culture participou na manhã deste sábado, 24/08, da coletiva de imprensa que aconteceu no Recife com os diretores pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, junto com parte da equipe técnica e quase todo o elenco do filme Bacurau, que chega oficialmente aos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira, 29 de agosto. O staff e elenco são velhos conhecidos do público que conferiu Aquarius em 2016 (curiosamente, o encontro com jornalistas aconteceu a poucos metros do Edf. Oceania, o cenário principal do longa de 2016). Bacurau marca o reencontro entre a atuação de Sônia Braga e a direção de Kleber Mendonça e também reformula a parceria com Juliano Dornelles, diretor de fotografia da trama passada.
Agora, para falar novamente de resistência, a dupla de diretores sai do litoral do Recife e se fixa no sertão de Pernambuco para contar a história de um povoado que sai do mapa e sofre com ataques violentos de um bando norte-americano. O filme de ação no Nordeste indica que Kleber Mendonça soube subir o tom de reação que define seus trabalhos anteriores (com ênfase nos premiados O Som ao Redor e Aquarius), temperando a trama com violência e sanguinolência tarantinesca. Dornelles completa avisando que o filme está aberto ao absurdo.
Com esse panorama fixado e um roteiro maturado durante uma década, Dornelles e Mendonça afirmam que o foco do trabalho era a sensação de Nordeste na tela, em um filme que soubesse dialogar honestamente com um público imerso em 450 anos de crise moral na terra brasilis. Para tanto, um pequeno vilarejo habitado por 80 pessoas no Rio Grande do Norte serviu de cenário para a fictícia cidade de Bacurau. O sertão do Seridó acolheu a equipe e a gentileza foi retribuída com uma pré-estreia que reuniu quase 3 mil pessoas, público esse que em sua maioria nunca tinha ido a uma exibição de cinema (o mais próximo fica a quase 90 km, numa cidade na fronteira da Paraíba). Afora o lazer, os governos estadual e municipal reuniram esforços para pavimentar estradas até a cidade, construir um posto de saúde, uma praça e com isso, fomentam o turismo que já brota no local para visitação das locações de Bacurau.
Longe do sertão, o reconhecimento da crítica internacional dá indícios de que Bacurau é a opção mais viável do Brasil para concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2020. O termômetro disso são os prêmios que o longa levou nos Festivais de Lima, no Peru, de Berlim, na Alemanha, e o prêmio do júri do Festival de Cannes. O filme também foi indicado a esse reconhecimento nos Festivais de Cinema da Austrália, da Suíça e será exibido em evento semelhante em Nova York ainda este ano.
O magnetismo para estatuetas reside na mistura irreal que os diretores apresentam na tela. A combinação do núcleo estrangeiro (parte do filme é legendado) com o ultralocal torna Bacurau uma obra de difícil comparação dentro das produções nacionais. A aproximação com a periferia e a necessidade de ser coletivo em uma montagem fluida e sem protagonistas fazem da cidade a própria peça fundamental da trama. O aviso inicial de que a história se passa em alguns anos no futuro torna-se quase temerária a partir das trajetórias políticas visualizadas na vida real. Mendonça afirma que a previsibilidade desse futuro distópico se dá em face do diálogo com o passado em um país que sofre de amnésia social e reprisa seus erros.
A figurinista Rita Azevedo dá sua contribuição com o imaginário do longa ao lastrear seu trabalho na busca pelo estranhamento. Desse modo, o sertão de 2019 veste a influência da pirataria chinesa com marcas falsificadas e abusa do jeans que é produzido no interior de Pernambuco, na cidade de Toritama, e que é distribuído para todo o Brasil. O militarismo punk dos invasores oferece o contraste visual que a plateia precisa para entender quem é local e quem é forasteiro.
Falando em novatos, o grupo aventureiro que invade a cidade de Bacurau e puxa o fio da trama garante a quebra da monotonia de uma vida pacata baseada nas novidades da rotina alheia. A diversidade cultural dos personagens permite uma mini representação de tudo que pode acontecer no mundo: donas de casa, políticos, prostitutas, bandidos, crianças e vingadores permeiam a expiação universal que funde a trama com a vida real. O surreal dá as caras com o humor fora de tempo, os dispositivos tecnológicos (com direito a drone em forma de disco voador) e o extremo da violência humana.
Para equilibrar esses extremos, Bacurau gravita em torno da força da comunicação humana e da urgência em unir-se contra um inimigo onipresente. Desvinculado da fixação em um único gênero cinematográfico, Mendonça e Dornelles passeiam pela aventura, ação, drama, western e sci-fi. No mesmo sentido, o elenco divide entre si a preponderância para o desfecho, num esquema que Kleber Mendonça compara com pratos rodando simultaneamente: à medida que um perde velocidade, o outro ganha destaque. E assim, Sônia Braga, Silvero Pereira, Thomás Aquino, Udo Kier, Jr. Black, Barbara Colen e o restante do elenco partilham a batuta cinematográfica de múltiplo protagonismo para contar a fábula do faroeste brasileiro. O resultado é sensacional.
Por essa fusão, Bacurau merece ser visto, significado e debatido. Uma trama baseada na identificação com o comum (delineado com perfeição, frise-se) com pitadas de absurdo nunca passará em branco. Eis a química com estatuetas.
Bacurau estreia na quinta-feira, 29 de agosto, embora sejam abundantes as sessões de pré-estreia durante este fim de semana. O trailer pode ser conferido no link a seguir: