Ao som de ‘Evidências’, a música equiparada a hino nacional no Brasil, um homem enfrenta uma estrada de terra para impedir o casamento arranjado de sua amada com um rico fazendeiro. Depois disso, cenas dos desdobramentos do relacionamento surgem como um conto de fadas: a vida a dois, as filhas, a ideia de comercializar uma receita caseira e o sucesso profissional da empreitada. 20 anos depois, o cenário é totalmente diferente. Excesso de dinheiro e falta de sintonia materializam as circunstâncias que culminam no pedido mais trágico de todos: a separação.
Divórcio, do diretor Pedro Amorim (Mato sem Cachorro) retrata de forma leve os dramas vivenciados por uma família quando o casal decide que não deseja mais viver juntos. A pitada que dá o tom do filme é o fato de a história se passar em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, cidade interiorana fortemente influenciada pelo gênero musical sertanejo e identificada facilmente pelo forte sotaque caipira. O filme não deixa passar nenhum detalhe sobre a região e até o drama urbano sobre a presença de onças na cidade está presente no longa.
Murilo Benício (E aí, Comeu?) e Camila Morgado (Até que a Sorte nos Separe) dão vida a um casal que, devido à passagem do tempo, deixou de perceber o lado bom de cada um e a rotina familiar vem sendo prejudicada pela falta de diálogo franco entre ambos. Ainda que em algum momento a atuação e o roteiro possuam ares de Zorra Total, é certo que a dupla conseguiu se encaixar com maestria nos papeis cômicos que representam e mesmo com todos os clichês e previsibilidades possíveis, arrancam gargalhadas da plateia.
Um fator peculiar do longa é que situações corriqueiras da vida moderna são tratadas de forma quase caricata nas telas. Por causa disso, é certo que a maioria das pessoas se identificarão com ao menos uma das críticas abordadas na obra, mesmo que nunca tenha passado por um casamento. Para quem viveu uma situação de divórcio, todas as etapas da lide estarão fielmente descritas nas cenas vivenciadas pelo casal Noeli e Júlio, tais como o luto, a volta à vida noturna e o empenho em agradar aos filhos.
Uma bela aposta do roteiro está em explorar a presença dos advogados na trama. Os representantes legais retratam fielmente as recomendações que comumente são dados nesse tipo de situação e como a presença de um profissional da área pode inflamar uma relação que se encaminha para o fim. O espectador que for da área jurídica certamente não conterá o riso diante dos conselhos e das audiências enfrentadas pela dupla que pretende se divorciar. A situação narrada no filme não deixa de ser uma crítica social bem construída, que pondera a relevância de questões afetivas e patrimoniais no momento da ruptura amorosa.
Mesmo que possa ser considerado como um filme ameno e divertido, a inteligência da obra se desdobra na abordagem social, financeira e familiar que o longa é capaz de captar com humor. A vida no interior é bem desenhada e os percalços suportados por seus habitantes estão bem representados. A aproximação com a realidade se torna ainda mais palpável devido à presença de marcas conhecidas do grande público. Júlio toma uma Skol para desopilar e Noeli ama sua coleção de sapatos e só se veste com itens chamativos da loja Carmen Steffens. O Jeep e o Ford dirigidos pelo ex-casal têm em suas placas as iniciais dos respectivos nomes e datas de aniversário. iPhone é considerado modinha e o uso de um S4 é preferível; o amor pelo Corinthians também.
Com base no exposto, conclui-se que a obra em análise cumpre seu papel no quesito divertimento, mas sem deixar de lado fatores preponderantes da vida moderna do brasileiro. Ironia e perspicácia não faltam nos protagonistas, que integram um filme bem construído ao lado de um elenco de apoio que rouba a cena na maioria das vezes. O fator representatividade tem de sobra, sendo quase impossível um espectador sair do filme sem ter rido de pelo menos uma única situação de vida sentida na própria pele e retratada com ironia pelo filme. Está super recomendado!
Confira o trailer: