Margot Robbie é uma caixinha de surpresas: topou nudez frontal de corpo inteiro para O Lobo de Wall Street (2013), brilhou como uma Jane moderna em A Lenda de Tarzan (2016), encantou e roubou a cena como uma personagem de quadrinhos em Esquadrão Suicida (2016) e agora está pronta para mostrar aos desacreditados que é muito mais do que mais um rostinho bonito em Hollywood. Sua Tonya Harding espanta pela intensidade e nada mais justo do que Margot figurar entre as indicadas ao Oscar de melhor atriz por isso.
Eu, Tonya, do diretor Craig Gillespie (Horas Decisivas) impacta o público por seu estilo direto e cru de mostrar o lado feio das pessoas. O drama fala sobre a vida de Tonya Herding, atleta olímpica envolvida no escândalo sobre a concorrente Nancy Kerrigan (Caitlyn Carver), que teve o joelho dolosamente quebrado para ser desclassificada da disputa nacional na década de 90. Tonya sofreu uma vida de abuso materno e conjugal e não há intervalo entre violência física e psíquica quando o assunto é sua mãe e seu primeiro marido.
O longa é narrado em forma de entrevista com os envolvidos na vida da patinadora e apresenta o começo da sua atuação, aos 3 anos, até o auge da participação na segunda Olimpíada. Allison Janney (Histórias Cruzadas) dá vida a LaVona Golden, a mãe da jovem atleta e consegue ser repulsiva no papel que lhe garantiu o Globo de Ouro, o Bafta, o SAG e outros prêmios por melhor atriz coadjuvante, além de ser a favorita na categoria para levar o Oscar no domingo de 04 de março. Se conseguir, não será desmerecido, afinal, a sua LaVona Golden pode ser considerada como uma das piores mães do cinema.
Margot Robbie conquistou sua primeira indicação tanto no Globo de Ouro como no Oscar com esse papel, e mesmo que não leve nada, a mera indicação já é um bom indício de que a qualidade de sua atuação só cresce, assim como o reconhecimento pelo trabalho muito bem executado. A protagonista é corajosa e Robbie visivelmente topou de tudo para acertar o tom que o longa exigia. A fúria de Tonya transborda pelo olhar duro, pelos gestos grosseiros e pelo discurso desmedido e debochado. Ainda assim, Tonya é cativante.
Mesmo sendo considerado como um filme indigesto, é certo que a vida da verdadeira Tonya Harding foi muito mais difícil do que a fita retrata. O apelo à comédia soou como uma tentativa de não afastar a plateia de uma história verdadeiramente triste (a falta de simpatia do público e do júri eram uma constante, assim como o estupro que sofreu em mais de uma ocasião e que não foram abordados no roteiro de Steven Rogers) sobre uma pessoa forte que nunca baixou a guarda para os revezes da vida. Tonya é constantemente espancada, mas isso não diminui seu brilho, mesmo que atrapalhe em muito sua carreira.
A simpatia com que Margot Robbie encarou a trama perpassa ao público, que torce pela atleta mesmo quando ela está errada e vibra com suas vitórias. Tonya Harding foi a primeira patinadora artística que conseguiu realizar o salto Axel triplo e esse feito foi repetido em duas competições. Os figurinos utilizados por Tonya chamarão atenção do público, especialmente porque na vida real foram costurados por ela e por sua mãe, já que não havia dinheiro para esse tipo de encomenda.
A evolução dos trajes demarca o caminho de sucesso percorrido pela atleta até o auge, quando deixam de ser costuras amadoras para se tornarem maiôs ricos em detalhes e de tecidos de múltiplas camadas (assim como a personagem, que convida a plateia a discutir a relatividade das verdades mundanas). O topete deixa a marca indelével dos anos 90, assim como a trilha sonora de suas apresentações.
A trilha sonora de Peter Nashel consegue traduzir a impetuosidade do enredo e de todos os envolvidos. O marido Jeff Gillooly (Sebastian Stan) e a mãe de Tonya formam uma teia de tensão ao redor da jovem, que despeja toda injustiça que sofre no talento que transborda naturalmente de sua atuação no gelo. No rinque de patinagem Tonya é livre para explorar toda graciosidade, beleza e simetria que faltam na sua vida para além da pista.
É por esse motivo que Eu, Tonya consegue ser um filme controverso, intenso e adorável ao mesmo tempo. Todos os transtornos que a patinadora suportou e causou formam uma vida única, digna de ser retratada em cinema e se torna uma das melhores opções da temporada para quem curte realidade e gente de verdade.
Eu, Tonya estreou nos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 15 de fevereiro. O trailer pode ser conferido no link a seguir:
https://www.youtube.com/watch?v=_YSP-ADogMA