Expurgando os demônios da Lei Rouanet: o que esperar do novo Ministério da Cultura?

Expurgando os demônios da Lei Rouanet: o que esperar do novo Ministério da Cultura?

Por Ciro Leimig

Não é novidade para ninguém o quanto a Lei que leva o nome de Sérgio Paulo Rouanet foi demonizada ao longo dos últimos anos. A classe artística, que não é e nunca foi a maior beneficiária dos incentivos, representando uma pequena fração da destinação das verbas, sofreu constantes ataques desde 2018 e a desinformação propagada em uníssono pelo poder executivo visava desconstruir um aparato legal importantíssimo para a manutenção da cultura brasileira, resultando no prejuízo de muitas áreas periféricas geradoras de empregos. A verdade é que o Ministério da Cultura (MINC), que foi extinto e incorporado ao Ministério da Cidadania no governo Bolsonaro, e a Cultura em si, parecem ter sofrido sabotagem nesse período e trago aqui os contornos dessa visão.

O MINC, que já esteve sob a tutela de pessoas como Celso Furtado e Gilberto Gil, e que hoje tem a ministra Margareth Menezes à frente, está empreitando uma cruzada Brasil afora para desmistificar os diversos preconceitos criados ou endossados pelo último governo, cuja visão de cultura era particularmente limitada. O ‘exorcista’ em questão, assessorado por um time misto de agentes do ministério e representantes dos governos e entidades locais, é o Secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural Henilton Menezes. Tive a oportunidade de acompanhar sua fala no Encontro com Proponentes e Dirigentes Culturais que aconteceu na cidade do Recife em 05 de Dezembro, nesta semana, para artistas e agentes culturais, no teatro da Universidade de Pernambuco. Vamos aos highlights!

Henilton iniciou sua fala apresentando a nova estrutura do MINC, com doze secretarias que estão abaixo dos cargos da Ministra Margereth (que naturalmente cumpre um papel institucional/político de articulação com órgãos e entidades externas) e do Secretário Executivo Márcio Tavares (quem cumpre, digamos, um papel de ‘CEO’, articulando toda a estrutura interna do ministério). E mais abaixo na hierarquia, na interface com os estados, estão sendo instalados 26 escritórios estaduais. Deu-se uma visão rica do funcionamento do MINC e na sequência o foco passou a ser o desmonte sofrido especialmente pela Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura (SEFIC), responsável por operacionalizar a Lei Federal de Incentivo à Cultura… Preparada(o)?

Ausência de diálogo com realizadores culturais e unilateralidade; estabelecimento de contrapartidas culturais inexequíveis; imposição de regras absurdas que inviabilizavam a execução dos planos; desestabilização da relação entre investidores e proponentes; sistemas desatualizados e desconectados da legislação; mais de cinco mil projetos parados, aguardando prorrogação de execução/captação; e quase R$ 1 bilhão de recursos captados, já renunciados, e bloqueados nas contas dos projetos. Foram alguns dos exemplos dados pelo secretário sobre o legado do governo anterior. Na prática, entendi que os recursos destinados à produção de cultura estavam sendo barrados e, com eles, milhares de oportunidades de emprego, sem falar no freio dado à arte, que distancia o Brasil de um futuro melhor… Sim: a arte, livre como deve ser, precede a evolução intelectual e tecnológica humana, e é o mais eficiente instrumento para observar futuros. Pergunte a um membro da comunidade científica o que acham das obras de ficção!

Na sequência, Henilton deu uma visão ampla das renovações da pasta, destacando o papel crucial da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que também havia sido desempoderada e que atuará em paridade com o MINC a partir da atuação de 21 comissários atuantes em todas as regiões, contando com representantes dos povos originários, da cultura popular, de instituições culturais que atuem no combate à discriminação e preconceitos, et cetera.

Talvez o ponto alto do encontro, porém, tenha sido a visão panorâmica e transparente das fontes dos recursos, além da estratégia por trás de uma estrutura que visará a distribuição mais justa entre as regiões e estados, diante de um cenário histórico onde Sul e Sudeste chegaram a reunir 91% da distribuição dos recursos da Lei Rouanet, enquanto Centro Oeste, Norte e Nordeste disputavam 9% do total (fonte: SALIC, 12/08/2023). Revoltante! Como se não fossem as regiões NO e NE os maiores berçários da arte nacional em várias frentes! E não para por aqui: é meta do ministério aprofundar o levantamento de dados relevantes, em parceria com a Fundação Getulio Vargas, que permitirão um maior controle e melhores decisões estratégicas em relação à distribuição das verbas país afora. Quão importante é essa ação? Imprescindível!

Henilton elucidou ainda diversas dúvidas do público, inclusive duas minhas, pontuou detalhes estratégicos da reformulação do MINC para o melhor uso dos recursos da Lei Rouanet, além da leis Paulo Gustavo (LPG) e da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), e demonstrou passo a passo todas as fontes de recursos apresentadas, nas palavras dele, nessa “aranha” que trago aqui em primeira (segunda?) mão:

Só em 2023, o orçamento reuniu mais de 10 bilhões em recursos e, se você não é um ser artístico ou nutre algum preconceito com a classe, calma! Isso é apenas um pedacinho pequeno dos fundos de incentivo do país: 0,6% é o que se refere à Lei Rouanet. E segue aqui outra informação super relevante, que completa a visão do primeiro parágrafo acerca da representatividade dos artistas na destinação dos recursos:

Fonte: A Lei Rouanet Muito Além dos (F)Atos, Loyola, 2016

Sim! Apenas 12% é destinado aos artistas e 68% distribui-se entre uma gama gigantesca de profissionais. E há quem diga que a lei serve apenas de ‘mamata’ para artistas… Percebe o tamanho da ignorância?

Saí do evento, que contou com a presença de tantos agentes importantes na promoção do tema frente à sociedade, a exemplo de Cacau de Paula (secretária de Cultura de Pernambuco) e das colegas EDUARDA COLLIER e Juliana Albuquerque, coordenadoras de Design e Moda / Literatura da Secretaria de Cultura do Estado de Pernambuco, com esperança, mesmo sabendo que na prática nunca se dá o sonho na íntegra. Dado o apagão cultural ao qual nos submetemos recentemente do ponto de vista político, é um direcionamento empolgante! E a importância do Ministério da Cultura se impõe diante de ações desse tipo. O encontro foi conduzido por Iris Macedo, a quem parabenizo demais pela eloquência.

E não podia deixar de fazer um spoiler sensacional: tudo indica que teremos um Programa Rouanet de Pernambuco, que aproximará o estado ainda mais das iniciativas de fomento. E quem disse foi o secretário… eu sou só mensageiro!

Que os próximos anos a arte borbulhe no Brasil e transborde para o mundo!

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