Hoje, 12 de janeiro, chega às salas de cinema, um dos lançamentos mais aguardados de 2023: Os Fabelmans, o filme autobiográfico de Steven Spielberg. Integrante da corrida ao Oscar deste ano, a obra entra em circuito comercial com a vitória de Melhor Filme de Drama no Golden Globes, além de Melhor Diretor. Esta é uma informação importante para abrir a resenha. Afinal, os números de bilheteria nos Estados Unidos, antes da premiação citada, ficaram bem abaixo do esperado, com US$ 12 milhões. Enquanto o custo de produção bateu os US$ 40 milhões. Esses cálculos devem mudar ao longo das próximas semanas, quando o público – no mundo todo – tomar ciência do que pode encontrar como nas notícias sobre os favoritos ao Oscar. Por exemplo, a atriz Michelle Williams, vivendo a ex-pianista Mitzi Fabelman, a mãe fictícia de um Spielberg na infância e adolescência. Ao seu lado, Paul Dano, como Burt, o genial marido paciente que desejava uma carreira na engenharia para o seu menino judeu Sammy (Gabriel LaBelle), que conhece o horror do antissemitismo em sua escola, na Califórnia dos anos 1960. Esse trio consegue entregar a emoção que o próprio Steven Spielberg desejou ao público que estava no cinema, na sessão de cabine, terça pela manhã. O diretor, aos 76 anos, é um senhor de expressão terna e atitude elegante que surgiu antes da história contada em 2 horas e 31 minutos começar. “Espero que vocês se emocionem tanto assistindo, como nós, ao fazer esse filme”.
A estratégia é acertada quando decidimos mostrar nossas memórias a alguém que não faz parte delas. Ver um álbum de fotografias de pessoas que não compartilham daquele contexto, pode soar qualquer coisa. Pode não gerar a emoção que desperta nos envolvidos. Não é o caso aqui. O roteiro com a história pessoal carregada de ficção, construído pelo próprio Spielberg em parceria com Tony Kushner, é uma dose alta de emoção. Sem carregar a gente para a pieguice, para o choro fácil, que tomou conta da indústria do cinema nos últimos anos. Este último, ganhador do Pullitzer, e autor fundamental para entender os Estados Unidos da América da segunda metade do século XX aos dias atuais. Para que você recorde, Kushner nos o texto da obra-prima Angels in America, que relata através de dois personagens distintos, a questão da Aids nos anos 1980, tecendo um diálogo sobre a conjuntura social e emocional dos Estados Unidos a partir de dramas íntimos.
A lente macro para o enredo pessoal, de cada um dos integrantes da família Fabelman, e dos agregados, nos faz olhar para essa espécie de fotos e filmagens familiares. Ao reunir esse material, percebemos como nasce um artista da grandeza de Spielberg. De um lado, o estímulo e a vocação artística de sua mãe, um prodígio do piano que decidiu ser dona de casa. No contraponto, a praticidade, o olhar pragmático de um pai vocacionado para a tecnologia e a cabeça futurista dos nerds da computação em sua fase embrionária. Entre o casal, o amigo Benny (Seth Roger) que é um ponto de equilíbrio na relação, chegando a morar na mesma casa sem formar um triângulo amoroso clássico. Esse equilíbrio instável se mantém por anos.
Até que um dia… Sammy, aos 16 anos, em uma de suas filmagens em família, vai montar os negativos. Os olhares, os toques sutis, mas apaixonados da mãe com tio Benny, são revelados. Eduardo Graça, ao escrever sobre o filme no Segundo Caderno de O Globo, no último domingo, trouxe uma revelação do diretor que dizia assim sobre filmar essas memórias: “Foi como se tivesse saído do meu corpo”. É um jeito equilibrado de analisar histórias que contamos sobre nós, como se ainda estivéssemos naquele lugar. Não existe essa possibilidade, nos diria Heráclito de Éfeso, quando alerta que “não nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Quando tratamos de autobiografia, sempre há o componente ficcional, o que é nosso, aquilo que para o outro pode não ter existido. Essa é a grande mensagem de Os Fabelmans.