Em Nova York, nos anos 1980, Dog está cansado de ficar sozinho e um dia ele decide comprar um robô para ser seu companheiro. Após ter êxito no que seria seu mais novo passatempo, Dog começa uma trilha de momentos felizes e singelos com seu mais novo amigo.
A tela vai sendo preenchida com o dia a dia na metrópole oitentista, juntamente com as memórias que o casal de amigos vão criando. O filme não só mostra uma grande amizade se construindo, mas também o nascer de um possível romance entre os dois personagens, romance esse que, observadas todas as pistas colocadas no filme, passa de algo muito possível para algo bastante provável.
O relacionamento dos dois vai se desenrolando e amadurecendo enquanto eles perpassam uma Nova York repleta de animais antropomorfizados, num colorido que destaca a animação por mostrar todo o cuidado dos animadores com os detalhes que não estão só nos personagens principais mas em todo o plano de fundo em que a história se passa, nos fazendo acreditar que aquele lugar realmente existe. É de encher os olhos com tanta beleza.
Mas como muitas histórias reais ou ficcionais que já vimos, nem tudo permanecerá tão belo para sempre. E aqui já fica o aviso de spoiler para os leitores mais sensíveis que ainda não viram o filme… Caso você ainda tenha permanecido aqui nesse texto, é porque já viu o longa ou não se importa com os spoilers, então vamos lá.
Após a errônea decisão de passar um dia na praia, o robô e o cachorro decidem tomar um banho na água salgada do mar. E aqui já podemos imaginar que a combinação de um corpo de metal cheio de engrenagens com a maresia não é uma das mais felizes. Pois bem, após um longo mergulho, o robô junto ao seu companheiro se deitam na praia para aproveitar o sol (outra combinação com um corpo metálico que teria pouquíssimas chances de dar certo), os dois decidem voltar ao seu aconchegante lar, mas ao tentar se levantar para ir embora, o robô não consegue e assim os dois percebem que ele está totalmente imóvel devido a corrosão de suas peças, o que lhe impossibilita de sair daquele lugar.
Após muita tentativa de tirar da areia e levá-lo embora, o cachorro decide voltar pra conseguir alguma forma de salvar seu amigo, mas todas as investidas não tem êxito e ele acaba decidindo esperar a próxima temporada em que a praia voltará a ser aberta, já que no momento, por estar fechada, ele não consegue entrar e salvar o robô. E nesse intervalo entre essa abertura da praia e a outra, o cachorro vai cada vez mais se distanciando da ideia de viver novamente o seu antigo relacionamento, ao ponto em que vai conhecendo pessoas novas e até compra um novo robô para substituir o seu antigo companheiro.
E é aqui que, ao contrário de muitas críticas que estou vendo por aí sobre o filme, para mim fica evidente que estamos assistindo não apenas uma história de amizade, mas também um romance de dois personagens. E digo mais, um romance gay, afinal nenhum dois dois personagens têm quaisquer características femininas, se trata de dois personagens masculinos. Independente da explícita rejeição dos criadores à interpretação homoafetiva do filme, é preciso salientar a potência da obra de arte, que ganha vida própria ao chegar ao público, não dependendo mais dos seus criadores para determinarem o que são ou deixam de ser. Então, por se tratar de um romance, podemos fazer uma rápida analogia nos relacionamentos em tempos virtuais, em que tudo é muito volátil e superficial, muito imediatista e rapidamente superado. Estamos nos sentindo solitários afetivamente ou sexualmente? É só baixar um aplicativo, escolher o companheiro interessante mais próximo de nós, assim como quem pede uma refeição no ifood e saciar nossa momentânea carência. A problemática está no entendimento de que, da mesma forma como essa falta é prontamente saciada com apenas alguns cliques, ela também prontamente volta a existir. São os tempos dos amores líquidos, expressão criada pelo pensador polonês Zigmunt Bauman.
Nos tempos do capitalismo selvagem que vivemos, até as relações humanas estão sendo cada vez mais industrializadas, plastificadas. Para um espectador mais desatento, o filme pode não, ao primeiro olhar, tratar de algo mais profundo como essas temáticas, mas com um olhar mais paciente e observador, podemos extrair esses e outros debates muito pertinentes. É uma complexidade que não vemos tão facilmente em animações voltadas para um público mais geral.
O filme no seu último ato faz um contraponto a toda essa superficialidade, mostrando que mesmo não ficando mais juntos após o reencontro dos dois, pois cada um já segue a sua vida ao lado de outros companheiros, existe algo do Dog que ficou marcado no Robô e algo do Robô que ficou marcado no Dog, cada um fez o outro evoluir para uma maturidade emocional e afetiva maior. E ao fim do filme, a última mensagem que fica conosco é afirmativa à pergunta cantada por Cher, em Believe: existe sim vida após o amor.
Portanto, o fato de o filme estar indicado ao Oscar desse ano na categoria de Melhor Animação, o impulsiona ainda mais para para um público cada mais mais amplo, e isso é da maior importância, pois temos aqui aquele clichê mas muito real, um filme necessário.