Quem conhece o mundo onírico? E se atreve a cavalgar ao limite, ao amalgama do consciente e da realidade, e de lá tirar obras de artes? Existem esses cavaleiros que repudiam ao tédio e o convencional? Walter Benjamin diz:
A vida só parecia digna de ser vivida quando se dissolvia a fronteira entre o sono e a vigília, permitindo a passagem em massa de figuras ondulantes, e a linguagem só parecia autêntica quando som e a imagem, e a imagem e o som, se interpenetravam, com exatidão automática, de forma tão feliz que não sobrava a mínima fresta para inserir a pequena moeda a que chamamos sentido. (BENJAMIN, Obras Escolhidas, 1985)
Parece se tratar de algo altamente insano, o surrealismo, e talvez seja. Segundo Silvana Amorin em seu livro Fábula e Lírica (2003) o conceito de surrealismo foi criado no ano de 1917 por Guilhaume Apolinaire, escritor francês, exprimindo “algo além do real”. O Surrealismo surgiu na França em 1920, mas em 1924, o poeta André Breton publicou o Manifesto Surrealista que deu ao movimento maior conhecimento. No texto estavam expressas às preocupações do movimento quanto à libertação do homem de uma vida predominantemente utilitária e a busca de uma ausência de lógica. No manifesto Breton diz:
Só a imaginação me dá contas do que pode ser. Não é o temor da loucura que vai nos obrigar a içar a meio pau a bandeira da imaginação. A atitude realista, inspirada no positivismo, parece-me hostil a todo impulso de liberação intelectual e moral. Tenho-lhe horror, por ser feita de mediocridade, ódio e insípida presunção. (BRETON, 1924.)
A guerra havia devastado a Europa. Segundo Dawn Ades “[…]estilhaços da bomba alteraram para sempre a face da arte” (ADES, 2000, p.111). A ruptura com o tradicional fora assumida por praticamente todos os movimentos vanguardistas. E para o surrealismo não seria diferente: ele emergia da necessidade de uma ótica introspectiva de si próprio, do ponto em que o indivíduo abria mão da razão humana e restaurava seus instintos primitivos.
Por esse motivo, que essa modalidade de arte teve influência do “pai” da psicanálise, Sigmund Freud. Em seu livro “A Interpretação dos Sonhos” (1938) o psicanalista afirmou que o homem não deve fugir de sua realidade, mas sim enfrenta-la, e que o inconsciente pode ser denominado como algo que sentimos, dado seu efeito sobre nós, mas que pouco sabemos sobre ele. O inconsciente passa a ser protagonista em um movimento artístico, sua influência sobre a criatividade passa a ser mais discutida, e principalmente, reconhecida.
Analisando a relação entre mundo fantasioso e realidade, vemos um proposito na modalidade de alcançar um “homem novo em uma sociedade nova”, despida de convencionalismos, de tradições, de utilidades, negando a “tirania do gosto”. O surrealismo criticava a arte existente e negava o “estatuto” das artes clássicas.
Os surrealistas buscavam a pura liberdade. Tanto na pintura quanto na escrita.
Um exemplo típico de um texto surrealista é o provérbio de Paul Éluard: “Elefantes são contagiosos”. Desprovidos de sentido lógico, os textos surrealistas surgiam de um puro ato de criação, ou seja, o escritor deixava fluir qualquer palavra que lhe viesse à mente consciente e a considerava inviolável. Eles não alteravam o que escreviam para não interferir no ato da criação e liberar sua sensação de liberdade interna. O que se prioriza no ato da criação literária é o encontro do homem consigo mesmo, o aprofundamento da vida onde a linguagem se confunde com o puro momento da consciência. (HELLMANN, 124)
A quem confunda a liberdade dos Surrealistas com alienação. Ledo engano. Essa autonomia é uma afirmação da conquista da própria independência: Se expressar tão genuinamente ao ponto de entenderem que não em importo, ou que não entendo, ou que simplesmente sou absorto ou ensandecido.
Para ilustrar minha breve descrição sobre o surrealismo escolhi meu artista, que foi também surrealista, favorito. E pasmem, não é Salvador Dali. Apesar de adorar Dali, e de passar a o admirar ainda mais depois que vi ‘Um Cão Andaluz’, (http://goo.gl/OuLAUU) feito em parceria com Luiz Buñuel, e o mais recente ‘Destino’(http://goo.gl/KjWJm3), feito, aliás, em parceria com a Disney, a outro artista que me desperta ainda mais curiosidade: René Magritte (1898 – 1967). Um artista, que assim como muitos surrealistas, era inconformado e deixava clara suas opiniões em suas obras.
Anômalas, metalinguísticas, utópicas, ilusórias; essas são algumas das descrições que podemos dar as criações de Magritte.
Aos 13 anos de idade, sua mãe, que sem sucesso tentara se suicidar algumas vezes, jogou-se de uma ponte afogando-se no Rio Sambre, ao sul da Bélgica. Reforçando, suponho eu, a já citada força do subconsciente à criatividade, já que alguns anos mais tarde retratou em Les Amants duas pessoas encapuzadas se beijando: sua mãe fora encontrada com o vestido cobrindo-lhe a cabeça, parecendo encapuzada.
Assim como na história da arte, a vida de Magritte nela não foi linear ou cronológica. Por isso disse acima que ele foi também surrealista. Esse pertencimento a um lugar apenas é pouco para Magritte. O pintor experimentou outras modalidades, estudou vários métodos e se aperfeiçoou em várias técnicas. Também trabalhou na publicidade, pela qual, tempos depois, confessou ter grande desprezo.
Segundo o artista: “A mente ama o desconhecido. Ela adora imagens cujo significado é desconhecido.” E ele amava criar imagens desconhecidas e instigantes. Você sente, sabe o que sente, mas não sabe explicar, não há palavras para descrever, e lhe incomoda, e portanto, você não consegue parar de olhar. Lhe consome, lhe hipnotiza, lhe prende. São paradoxais.
As obras de Magritte desafiavam o observador a contestar os pontos de vistas impostos pela rotina e pelo consumismo. Em sua arte, Magritte deslocava objetos, signos, etc. e os substituía por algo diferente. Aliás, longe das denominações de “estilos” de arte, Magritte fora, além de tudo, um pensador, analisava a imagem, a linguagem e a representação.
Tais quadros de Magritte, que tratam a questão de reprodução, trazem à tona a discussão sobre a imagem não ser uma realidade, mas sim uma ideia dela, e com tudo o que limita a idealização, ainda que realista, de alteração, alargamento metafórico, reinvenção ou simbologia de sentido. René desenvolveu, por meio de filtros de interpretação, o sentido mais completo da obra e permitiu uma sofisticada reflexão e análise, sem, no entanto, perder sua linguagem de artista.
ADES, Dawn. Dadá e Sur realismo. In: Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas vol. I – Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1985.
HELLMANN, Risolete Maria. A trajetória da Arte Surralista. Resvista Nupem, Jan./Jul.2012
SANTOS, Carolina Junqueira. A ordem secreta das coisas: René Magritte e o jogo do visível. Belo Horizonte, 2006
Ribeiro, Diana. O Surrealismo Cerebral de René Magritte. Disponível em: http://obviousmag.org/archives/2011/01/rene_magritte.html
SCHONE, Adriano. Surrealismo por René Magritte. Disponível em: http://lounge.obviousmag.org/taberna_das_artes/2013/03/surrealismo-por-rene-magritte.html
Imagens: http://www.renemagritte.org/link.jsp