Se nos dias de hoje uma parte da população ainda se sente à vontade para ofender mulheres por infundadas alegações biológicas, psicológicas ou sociais, imagine quando isso ocorria 40 anos antes?! Através dessa premissa, tem-se A Guerra dos Sexos (Battle oh the Sexes), dos diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris (a mesma dupla que dirigiu o clássico Pequena Miss Sunshine), estrelado por Emma Stone (Oscarizada por La La Land) e Steve Carrell (A Grande Aposta).
A obra encarna uma história real que já havia sido contada em um filme de 2001, dirigido por Jane Anderson e protagonizado por Ron Silver e Holly Hunter, intitulado Guerra dos Sexos (When Billie Beat Bobby) e que foi lançado apenas em DVD.
Dessa vez, a obra de 2017 consegue chamar mais atenção para o fato narrado, que mesmo contando quase 45 anos, permanece atual. Quando a tenista número 1 do mundo, Billie Jean King decide abandonar a liga de tênis por julgar injusta a divisão de salários entre atletas masculinos e atletas femininas, seus dirigentes acham que sua carreira esplêndida havia se encerrado. Ocorre que Billie e as demais tenistas fundam sua própria competição e chamam atenção do público por onde passam. O tenista aposentado Bobby Riggs vê no enfrentamento ao clã uma forma de chamar atenção para si e para atingir essa finalidade, abre mão de todos os escrúpulos e destila preconceito para com suas rivais.
O filme chama atenção da plateia pela maestria com que ambienta a década de 70. Figurino, cabelos, cenários e automóveis dão o tom da década que se preocupa com equiparação humana e luta por igualdade. Naturalmente, aqueles que sempre estiveram em posição superior não se preocupam com o tema e esse contraste ideológico garante a excelência da abordagem cinematográfica.
Enquanto o mundo assistia às partidas de tênis pela TV ou nas arquibancadas, ninguém se preocupava com o lado pessoa dos atletas ali envolvidos. E quando isso se volta ao tênis feminino, a roupa ou o tamanho do cabelo era tudo que importada para alguns. Enquanto isso, as atletas enfrentavam batalhas pessoais para conquistar o respeito dentro e fora das quadras e mesmo entre elas, a luta por identidade também era constante.
Emma Stone e Steve Carell são os antagonistas ideais; ambos entregues aos seus respectivos papeis e cada um forçando o outro a estar à sua altura. Enquanto Steve dá vida ao esportista fanfarrão que angaria popularidade entre os mais conservadores e faz a plateia rir a contragosto e se indignar, Emma dá suor e sangue por sua atleta feminista bissexual e ratifica que faz jus ao Oscar de 2017. Aliás, falando em Oscar, pode-se considerar que sua atuação em Guerra dos Sexos brilha mais que La La Land (2017) e faz o público rememorar a força da sua interpretação em Histórias Cruzadas (2011), quando deu vida à jornalista Skeeter Phelan e mostrou ao mundo sua capacidade como atriz.
O quilate de atuação dos protagonistas só se reforça quando comparados ao time de apoio. Billie e Bobby são pessoas de presença marcante e os atores que interpretam seus cônjuges ganham luz na aparente sombra. Bobby odeia feminismo, mas sustenta o vício em apostas com o dinheiro de sua esposa Priscilla (Elizabeth Shue); enquanto Larry (Austin Stowell) é um marido que sabe que a prioridade na vida de sua esposa nunca será ele. Além de aceitar essa conjuntura, Larry ganha o respeito do público por colocar a carreira de Billie acima de qualquer julgamento e leciona como poucos sobre a verdadeira arte de amar incondicionalmente.
Ainda constam no time feminino a empresária de Billie, Gladys Heldman (Sarah Silverman), a amante de Billie, Marilyn Barnett (Andrea Riseborough) e a concorrente antifeminista Margareth Court (Jessica McNamee). Todas essas personagens apresentam um espectro do que pode ser considerado poder feminino e quando analisadas como um conjunto, extrai-se a gloriosa profundidade da abordagem do tema igualdade e feminismo.
A obra conquista o público por sua força visceral, empenhada em demonstrar a personalidade prismática dos envolvidos, que podem ser considerados fortes e fracos ao mesmo tempo, a depender do ângulo captado. A partir do aparentemente inofensivo desafio a uma partida de tênis entre os protagonistas, todos os julgamentos vêm à tona. Para além da competição esportiva, a disputa coloca em xeque os valores pessoais e as bandeiras que cada um traz consigo. Bobby é misógino, ama ser polêmico e ofensivo; ao passo que Billie quer mostrar com sua raquete o poder feminino para uma área essencialmente dominada por homens e pelo machismo.
Um fator é inquestionável: enquanto a partida representa toda a carga histórica e social acima identificada, é certo que até aquele que nunca assistiu a uma partida de tênis na vida roerá unhas a espera desse resultado. Independentemente do atleta vencedor, quem ganha é o público por ter acesso a essa riqueza de conteúdo que valeria um Oscar seguido para Emma Stone e uma igual honraria para Steve Carell. O filme é um convite irrecusável a um debate cada vez mais necessário no mundo.
O filme já está em cartaz no país e o trailer pode ser conferido no link abaixo:
https://www.youtube.com/watch?v=KX1sUa2C8jI