Beatrix Potter é a autora inglesa do início do Século XX que ficou imortalizada na literatura graças ao seu Peter Rabbit (aqui traduzido para Pedro Coelho). A história infantil publicada em 1902 sobre uma família de coelhos falantes e bem vestidos ficou famosa no mundo todo e conta com uma gama de produtos licenciados (o enxoval do príncipe George, herdeiro do trono inglês, possui como tema esse conto) e uma vastidão de adaptações para o teatro, cinema e televisão. O filme a ser lançado nesta Páscoa é dirigido e roteirizado por Will Gluck (Annie) e homenageia de diferentes formas a literatura britânica em sua amplitude, bem como a própria Potter.
O longa se divide entre o CGI e o live action ao contar com um elenco real, composto pelo casal Bea (Rose Byrne), pintora e protetora fiel dos animais e aqui batizada em clara homenagem à criadora, e Sr. Tomás Severino (Domhnall Gleeson), o herdeiro compulsivo por organização que deixa Londres e seu emprego na Harrold’s para conhecer o legado do tio falecido. Nesse ponto, fica clara a diferença entre as personalidades do casal. Enquanto Bea é ingênua e totalmente adaptada à vida no campo, Severino não vê a hora de poder voltar para a loja e conquistar a tão sonhada promoção. Características inglesas foram bem pontuadas no longa, que chega a soar como um compêndio da cultura britânica ao passear por pontos turísticos e costumes dos súditos da Rainha.
A tradução dos nomes para o português não se coaduna exatamente com o icônico cenário rural inglês, composto de tons de verdes que enchem os olhos e decoração rústica das propriedades. Uso de trens (adendo para a ponte ferroviária Glenfinnan, costumeiramente lembrada pelas filmagens da saga Harry Potter) e ruas de casas geminadas perfazem a realidade britânica do longa, que se divide entre agradar ao público infantil com os apuros da bicharada falante, e também consegue arrancar gargalhadas dos adultos ao demonstrar o aspecto mais malicioso das travessuras de Pedro.
Pedro é inteligente, líder nato e um tanto quanto arrogante quanto a isso tudo. Sua rotina é garantir que suas irmãs trigêmeas Rabo de Algodão, Flocos e Flux e o primo Benjamin tenham o que comer todo dia. A fonte das refeições é a horta recém transferida para as mãos do Sr. Tomás Severino, que promete dar continuidade à batalha travada entre os animais e o dono das terras. O ponto de intercessão entre coelhos e humano é Bea. A pintora é adorada igualmente pelo Sr. Tomás e por Pedro e isso garante uma guerra rural, com direito a trapaceadas com destreza de adulto.
Uma das melhores homenagens que o longa faz é brincar com o fato de que Bea pinta péssimos quadros que ela acredita terem valor de venda, mas sua distração é retratar Pedro e sua família, o que traz para a tela as pinturas da própria Beatrix Potter. Insta destacar que além de escritora, a verdadeira Beatrix ilustrava os livros com seus desenhos. Puxar esse fio pode ser uma boa tática para introduzir literatura aos jovenzinhos que desfrutarão do longa. Outra homenagem, velada dessa vez, é sobre o fato de que Pedro deseja falar com seus pais já falecidos através de um quadro em que estão retratados. A narradora lembra à plateia que acaso se tratasse de outro livro (a saga inglesa Harry Potter), os pais certamente responderiam aos questionamentos de Pedro.
A dublagem brasileira afastou as vozes de Margot Robbie, Sia, Daisy Ridley e James Corden, mas garantiu que a criançada terá uma música para chamar de sua. A banda Rouge faz parte do filme na pele das aves cantoras e apresenta uma faixa nos créditos finais. A canção Confia em Mim (disponível no Spotfy/Deezer a partir de hoje) foi gravada pelo quinteto e ganhou clipe temático em referência ao longa.
A história do filme em si se destaca das tramas infantis por conseguir extrair acidez de uma fábula aparentemente inofensiva e sem muito espaço para dualidade de caráter. Quem conhece a roteirização original vai concordar que o conto foi adaptado para crianças espertas e adultos que topam uma sessão infantil. A maldade de Pedro beira a crueldade em nome da vitória, ainda que tudo sempre termine em perdão e bondade. Lições para as crianças não faltam. Os efeitos visuais por vezes tropeçam nos pés por não fidelizarem como deveria, mas outras circunstâncias elevam a categoria, tais como o vento no pêlo e os olhares de remorso, alegria e tristeza que os felpudos demonstram. Também pode-se colher do longa humor de qualidade, sendo certo que a graça presente em Pedro Coelho é certamente superior aos demais títulos do gênero.
Pelo exposto, Pedro Coelho é uma excelente opção para a programação infantil do feriado pascoal. O filme é um show visual, interpelado por canções pontuais e uma coalisão bem-sucedida entre realidade e criação digital capaz de encantar crianças, adolescentes e adultos de todas as idades.
Pedro Coelho estreia nesta quinta-feira, 22 de março; o trailer e a música-tema interpretada por Rouge podem ser conferidos nos links a seguir:
Confia em Mim, por Rouge: