Enfim, uma redenção póstuma! Passados quase 20 anos de seu falecimento, o polêmico cantor Wilson Simonal tem sua vida passada a limpo na brilhante cinebiografia Simonal, que estréia na próxima quinta-feira, 8 de agosto. Voz de hits memoráveis da discografia nacional, tais como Mamãe Passou Açúcar em Mim, País Tropical e Sá Marina, o artista carioca experimentou os dois lados de tudo que pode ser vivenciado por uma estrela em tempos de Ditadura Militar tupiniquim.
Interpretado com maestria pelo baiano Fabrício Boliveira e ao lado de Ísis Valverde, uma coadjuvante que toma para si a luz da tela com a agilidade de uma pirueta, a dupla demonstra química e entrosamento desde o primeiro instante. Nada mal lembrar que há alguns anos atrás, o casal deu vida a ninguém menos que João de Santo e Cristo e Maria Lúcia no também musical Faroeste Caboclo (2013). Dessa vez como Simonal e Tereza, a dupla leva a plateia a perpassar uma trajetória única do ponto de vista artístico e familiar.
O primeiro momento do longa apresenta o caminho até o topo que Wilson Simonal percorreu ao abandonar a banda The Dry Boys e partir para a carreira solo ao se associar ao empresário Carlos Imperial (louvável na pele de Leandro Hassun, que, frise-se, é ótimo vislumbrá-lo longe das crises histéricas de seus personagens cômicos com a possibilidade de apreciar todo o potencial interpretativo deste em um papel dramático). A carreira de Wilson Simonal, capaz de mesclar genialidade, proximidade e presença de palco únicas, é descrita pelo próprio como resultado de um “homem simples com champignon”.
Para tanto, o diretor estreante em longa-metragem Leonardo Domingues, contou com o apoio dos filhos de Simonal, Simoninha e Max de Castro, para desvelar a realidade familiar e pessoal do cantor. Sua arrogância, o histórico de infidelidades e os excessos financeiros que o levaram ao início da ruína artística estão retratados de forma nua e crua. A título elucidativo, cumpre destacar que a bonança de Simonal ocorrera durante os anos 60, quando cantores estavam sendo censurados e exilados por suas canções, o protagonista surfava numa maré mansa, falando sobre futebol, pé de jacarandá e Mustang, salvo um pequeno incidente envolvendo um tributo a Martin Luther King, que culminou no comparecimento ao Dops para prestar esclarecimentos.
Aparentemente ileso após essa visita, as marcas que o seguiram seu deu em face dos admiradores que lá conquistou e o levaram ao fosso pessoal. A fama de dedo-duro que aniquilou a carreira brilhante de Simonal o levou à morte na miséria no ano 2000, passa por tentativas de redenção pelas mãos de seus filhos. Simoninha e Max de Castro são responsáveis por biografias, um documentário e um musical sobre a vida do pai. Os dois contribuíram com o presente longa e têm nas mãos a melhor chance de reavivar um histórico artístico admirável através dessa cinebiografia. Aqui se espera que, para além do perdão da opinião pública de quem viveu a época de ouro do rei do swing, novas gerações galguem proximidade com o cantor que regeu um coro de 30 mil vozes no Maracanãzinho lotado para vê-lo e ouvi-lo.
É interessante analisar a trajetória de alguém que sempre passou a esmo pelo regime militar, declarando que nessa torcida, “não era nem Fla nem Flu”, limitando seu discurso social a repelir insinuações racistas em um imaginário coletivo que inviabilizava um homem negro rico, famoso e certo da excelência do que fazia, e que saiu de cena como cúmplice do regime que tanto ignorava.
Essa mistura faz de Simonal um dos melhores filmes nacionais do ano. Roteiro, cenografia e elenco bem alinhados e afinados, o enredo faz o espectador ir do céu ao inferno e parece acompanhar o destino de Ícaro ao tentar tocar o sol. Diferente de cera, as asas de Wilson Simonal deveriam ter mais melanina do que o momento histórico suportava em um céu com nuvens de chumbo.
Simonal estreia nesta quinta-feira, 8 de agosto nos cinemas. Confira o trailer: