“No vocabulário da maioria das pessoas, design significa aparência. É decoração de interiores, é o tecido de cortinas, do sofá. Mas, para mim, nada poderia estar tão longe do significado de design. Design é a alma fundamental de uma criação humana, que acaba se expressando em camadas externas sucessivas do produto ou serviço.” Estas palavras foram proferidas por Steve Jobs e refletem muito a visão que a Apple possui acerca do design não apenas do seu portfólio de produtos como de seus serviços.
O design estratégico é uma abordagem que congrega diversas metodologias e recursos para atender aos objetivos de um negócio. Nesse contexto, a aplicação do Design Thinking, análise de tendências, mapa da empatia, coleta de dados primários e secundários, dentre outros, servem como parâmetro para a entrega de soluções inovadoras e eficientes ao mercado consumidor.
Compondo o design estratégico, estão os portais de experiência. Um bom exemplo para se explicar esse conceito é o primeiro iPod, clássico lançado pela Apple em 2001. Este estudo de caso, aliás, consta na obra Gestão Estratégica do Design de Robert Brunner e Stewart Emery. Segundo os autores, o artefato, na verdade, era apenas um hardware que servia como viabilizador do que realmente importava: o iTunes.
Assim, o iPod seria um portal de entrada para uma gama de serviços da marca Apple, começando pelo iTunes e seus diferenciais: a mobilidade, a compra de músicas individuais (e não mais o álbum completo como na era das mídias físicas) e a criação de playlists. Através desses portais, o consumidor também tem contato com a proposta de valor da marca através de diversas evidências como a embalagem do iPod, as lojas da Apple e o serviço de assistência técnica. Veja quantos setores e elementos distintos de uma mesma marca foram envolvidos na simples aquisição de um dispositivo. E todos eles são pontos de contato entre marca e cliente que ajudam a entregar e manter a proposta de valor.
Vamos a um outro exemplo, dessa vez na indústria automotiva. A compra de um carro 0Km abre portas para: serviços de revisão/ manutenção, aquisição de acessórios, aquisição de peças originais, agendamento na oficina, garantia, suporte técnico e alguns outros a depender da marca. Também se inclui nessa lista: o manual do veículo, aplicativos, brindes e até o processo de entrega do carro novo. Ou seja, não é apenas um belo carro com cheiro de novo o único responsável pelo vínculo entre cliente e montadora. Ele é apenas o start de tudo. Por melhor que seja o veículo, caso todos os outros pontos de contato com a marca sejam incapazes de proporcionar experiências positivas, o cliente pode optar pela aquisição de um veículo de outra marca objetivando uma melhor relação, mesmo que este tenha menos atributos.
Dados do CX Trends 2023 mostram que 65% dos entrevistados desistiram de finalizar uma compra após uma experiência ruim e 60% afirmaram que, quando passam por uma experiência negativa, fazem questão de torná-la pública ou contar para amigos e familiares. Ou seja, um relacionamento marca/cliente ruim é capaz de se espalhar de forma inimaginável. Esse boca a boca negativo, inclusive, pode afetar o valor de mercado de uma empresa.
Quando se trata de um site ou aplicativo, é preciso atentar-se ao grande impacto que a interface e a arquitetura da informação exercem na usabilidade, o que impacta na qualidade da experiência do cliente. Interfaces com grandes curvas de aprendizagem ou mal estruturadas são capazes de afugentar o usuário para um concorrente mais intuitivo e lúdico. Ademais, garantir a acessibilidade é também essencial, não apenas em relação a limitações físicas do consumidor, mas dos dispositivos, garantindo que toda a gama de aparelhos do público-alvo seja acobertada.
A QUEBRA DA PROMESSA
No contexto dos aplicativos que trabalham com “parceiros”, temos um aspecto interessante relacionado às empresas de transporte como Uber e 99. O principal serviço oferecido por elas é justamente o traslado de passageiros, que ocorre em um veículo que não é de responsabilidade da empresa, guiado por um motorista que não é um funcionário. Logo quando começaram a operar no Brasil, tais companhias ofereceram uma série de treinamentos para garantir que os passageiros seriam bem atendidos em veículos adequados, com balinha, ar condicionado gelado, música a gosto do freguês e muito mais.
Com o passar dos anos, o ambiente externo mudou e essa experiência, antes padronizada, virou uma loteria. Isso se dá pelo fato de o modelo de negócios do Uber transferir a maior parte dos custos para seus motoristas: manutenção do veículo, combustível, documentação e até as famigeradas balinhas. Com a piora do cenário econômico no país, determinados motoristas, obviamente, se viram obrigados a cortar algumas regalias do cliente, o que levou até ao desligamento do ar condicionado para economizar combustível. Na prática, a Uber e 99 não conseguem mais padronizar seu entendimento porque seus modelos de negócios não lhes permitem um controle absoluto.
Uma vez transferida a responsabilidade pela qualidade da entrega nos pontos de contato, a marca coloca em xeque a experiência que o consumidor tem com seus produtos, sejam eles bens ou serviços. Marcas são feitas por pessoas. Logo, o cumprimento da promessa de marca inicia com um trabalho de marketing interno no qual os funcionários passam a ter ciência da missão, visão e valores da empresa, criando uma conexão que os estimula a darem seu melhor na entrega de valor ao consumidor. Assim, eis alguns aspectos que devem levados em conta quando da elaboração de um design estratégico voltado para experiências positivas para sua marca ou de um cliente:
1 – Saiba com quem está lidando. Antes de mais nada, uma pesquisa de dados secundários e um mapa da empatia ajudarão você a traçar criar o perfil psicográfico do seu consumidor.
2 – Mapear sempre ajuda. Uma blueprint do serviço também ajuda bastante a entender como o consumidor trafega por vários setores de uma empresa ao longo de sua experiência com a marca.
3 – Não esqueça o público interno. Treinamentos de pessoal e manuais de orientação ajudam os funcionários a manterem um padrão de qualidade no cumprimento da promessa de marca em todos os setores.
4 – Resolva o problema! O serviço de atendimento ao cliente deve ser trabalhado para assumir o compromisso de solucionar os problemas do consumidor da melhor forma possível, sempre com empatia e cordialidade.
5 -Atenção às evidências. A experiência com as marcas envolve não apenas o atendimento, mas também evidências físicas que transmitem a personalidade da marca, bem como sua proposta de valor. Aí se aplicam embalagens, materiais promocionais, brindes e até o merchandising visual. Uma boa equipe de criação faz toda a diferença aqui.
6 – Coerência! Aqui entra um ponto relevante: a comunicação corporativa precisa ser autêntica. Em tempos de cancelamento digital, não é raro o público vasculhar o histórico de uma marca para encontrar contradições que sirvam de argumentos para o surgimento de uma crise. Se uma marca diz que defende a natureza, ela deve realizar um mapeamento do impacto que seus produtos exercem sobre o meio ambiente e viabilizar meios de amenizá-los.
7 – Dados, dados e mais dados. Ok, colocando dessa forma, parece uma neurose, mas decisões estratégicas são respaldadas por informações relevantes sobre o público-alvo e os leads. Ainda mais no contexto em que vivemos, onde nós, enquanto usuários de internet, geramos informações relevantes que servem de parâmetro para que as marcas possam planejar ações cada vez mais eficazes e menos onerosas. Defina quais dados são relevantes e crie meios de coletá-los, sempre que possível. Ah, é preciso saber filtrá-los para utilizá-los adequadamente.
8 – Experiência multicanal. Procure identificar em qual fase de desenvolvimento dos canais de venda a empresa se encontra e defina um planejamento dividido em etapas para que ela possa adquirir maturidade e tornar-se omnichannel. Uma empresa omnichannel possui domínio sobre as informações obtidas do consumidor em seus pontos de contato e se apresenta em vários canais de vendas de forma integrada.
Só lembrando que, como no já amplamente difundido método de Design Thinking, é imprescindível a coleta de feedback do consumidor para saber o que está funcionando, o que não está, por que não está e como poderia ser melhorado. Assim, diminui-se o grau de insatisfação nas entregas da marca em todos os seus pontos de contato, garantindo uma experiência padronizada, condizente com seu discurso e positivamente marcante.
2 Comentários
O grande desafio hoje é as marcas de fato coletar dados e implementar mudanças a partir do feedback do usuário. Em sua cultura empresarial, na grande maioria delas, isso é não só desperdício de dinheiro como desperdício de tempo. Trabalhei em muitas empresas e quase todas elas só faziam essa coleta de informações no início, e muitas vezes, a opinião do cliente é vista como uma “intromissão”. Isso tem que mudar!
Boa observação, Diego!