Nos últimos 20 anos, estudos revelaram uma preocupante redução na nossa capacidade de focar em uma única tarefa. O tempo médio de concentração, que antes era de cerca de 2 minutos e meio, agora é de apenas 45 segundos – uma queda de 70%.
E como dedicar nossa tão escassa atenção ao perigo iminente da destruição do mundo? Como parar o frenesi da vida cotidiana e ouvir os nossos amigos quando eles precisam desabafar?
O filme Flow, mesmo que não obviamente, nos traz temas como esses. E fiquem atentos, às vezes as lições mais importantes da vida são ditas sem vozes.
A aventura de um gatinho tentando fugir do inevitável é uma animação que foge dos padrões que encontramos nas telinhas. Sentamos para assistir Flow e mergulhamos em um arsenal de possibilidades de interpretações, o que nos envolve de forma tão orgânica que nem nos damos conta.
Dizem que o olhar fala mais que mil palavras, e nessa trama o vislumbre no reflexo dos olhos derrama a emoção que às vezes não conseguimos organizar em uma fala.
Ao contrário das animações de grande sucesso e orçamento como Divertidamente da gigante Pixar, Moana da lendária Disney ou Robô Selvagem da popular DreamWorks que estão na casa das dezenas ou centenas de milhares de dólares, Flow custou apenas 3,8 milhões, um valor irrisório comparado ao que se gasta hoje para realizar um filme. E ele não fica atrás de nenhuma dessas outras obras em nenhuma área, o que só prova que um custo elevado não é um determinante no quesito qualidade.
E outro ponto crucial que diverge Flow dos outros sucessos de animação dessa temporada é que durante o filme inteiro nenhuma palavra é dita. E ainda assim o filme aborda temas complexos que vão desde questões ambientais urgentes como das relações humanas de amizade, companheirismo, civilidade, exploração e respeito ao diferente.
E o que torna esse filme genial, é que ele consegue fazer tudo isso sem dizer nenhuma palavra e sem que os personagens animais sejam humanizados no sentido prático da palavra. Eles são bichos e agem como bichos. E isso não os faz incapazes de ter sentimentos complexos e diversos.
Relacionamentos muitas vezes de uma maneira não planejada, sem pretensão alguma ou com personalidades tão diferentes podem existir? Flow prova que sim. Que em momentos de crise, são as nossas amizades que construímos com base em realidades prováveis e improváveis, que nos salvam dos perigos do mundo externo e do mundinho interno de cada um de nós. E que o exercício de aprender a ouvir, seja um desabafo, ou um pedido de socorro dito de boca fechada é construído não na solidão, mas sim na comunhão.
Que o fato de nos dedicarmos, apesar da correria e fragilidade dos tempos modernos, a estar diante de uma obra de arte como esse filme, nos faz recuperar nossa humanidade em uma realidade que nos quer cada vez mais máquinas.