Inovação e o dom de prever o futuro

Inovação e o dom de prever o futuro

Começar a enxergar possibilidades a cada novidade tecnológica faz muita diferença no mundo BANI.

Por Fellipe Câmara

Em um contexto onde a cada minuto surge algo novo para nos deixar de queixo caído, o termo ‘inovação’ tornou-se uma das principais palavras-chave do nosso zeitgeist, caracterizado por uma sociedade que vive em um contexto de fragilidade econômica, por vezes ansiosa, de comportamento não linear e incompreensível, atributos do conceito antropológico criado em 2018, denominado BANI. Todavia, quando se trata de inovação, há uma série de coisas que você precisa saber. Comecemos pelas transformações tecnológicas.  

O renomado economista austríaco Joseph Schumpeter dividia as transformações tecnológicas em três etapas. A primeira corresponde à invenção, ou seja, à geração de novas ideias. A etapa seguinte é o processo de inovação, materializado no desenvolvimento de novas soluções. A terceira, e última etapa, corresponde à difusão e aceitação das novidades. A inovação, tanto em produtos quanto em processos, nasce a partir de mixagens de invenções e métodos que vão surgindo ao longo do tempo. O fato é que, além da viabilidade tecnológica e aceitação do público determinarem o êxito de produtos inovadores, há outro fator que pesa bastante no processo: a viabilidade financeira para a escalabilidade.

 O retro futurismo é sempre interessante, uma vez que mostra projeções que as pessoas daquela época faziam para um futuro que hoje é nosso presente. Na imagem, cena da série Hello Tomorrow!

Sim, os custos envolvidos na produção em larga escala são os principais inimigos da mudança e eles estão diretamente relacionados com as tecnologias disponíveis, bem como a existência de profissionais qualificados necessários para sua implementação. Por isso que o carro voador ainda não é uma realidade como em Os Jetsons e ainda não podemos nos teletransportar como em Star Trek. São justamente limitações de ordem tecnológica e financeira.

CLASSIFICAÇÃO DAS INOVAÇÕES

Em termos de aplicação, a inovação se dá em bens, serviços, processos de produção, modelos de negócio, estrutura organizacional, marketing e em diversos outros setores. Mas, a despeito da área de implementação, a inovação pode ser classificada em quatro tipos: incremental, radical, arquitetural e disruptiva.

A inovação incremental adiciona melhorias a bens, serviços ou métodos de produção, sendo útil para reforçar a posição de um negócio em seu mercado de atuação. Caracteriza-se, dessa forma, por alterações sutis, rápidas e baratas, mas capazes de atribuir ainda mais destaque em relação aos concorrentes. Os stories e reels do Instagram bem como as versões de Coca-Cola (zero, plus e diet) são um exemplo. 

A inovação radical, como o nome sugere, é algo totalmente inédito, oriundo de inúmeras pesquisas e maiores investimentos. Como exemplo, temos o primeiro iPhone, que quebrou o paradigma dos celulares que existiam até então, e a GoPro, primeira câmera de ação lançada em 2005.

Por fim, temos a inovação arquitetural, sendo esta de curto a médio prazo, que ocorre assim que um determinado produto ou atividade torna-se incompatível com as demandas do mercado. A partir de então surgem mudanças estruturais que visam a entrega de um produto mais alinhado com o cenário sócio-econômico, ou até mesmo um novo produto para um determinado nicho. Como exemplo temos o varejo omnichannel ou uma nova geração de um veículo existente.

Além dos três tipos mencionados, há ainda a inovação disruptiva. Por ser massiva, esta impacta um quantitativo maior de pessoas simultaneamente, além de ser facilmente escalável. Como exemplo temos a Netflix, quando migrou sua operação física (delivery de DVD´s) para a internet (streaming de filmes e séries), ampliando suas praças de operação. Assim, podemos concluir que toda inovação radical, e até arquitetural, que é bem aceita e ganha rápida adesão do público, pode ser considerada, também, uma disrupção.

O Manual do Prof. Pardal (1972), sem querer querendo, descreveu o streaming, com base nas tecnologias disponíveis na época: telefone e VHS.

MIXANDO INVENÇÕES

Uma maneira divertida de entender o quanto a inovação está relacionada às tecnologias da época, é o anime Thermae Romae. Adaptada de um mangá, e que também possui uma versão live action, a história é centrada em um arquiteto de termas da Roma Antiga que consegue viajar através do tempo para as termas do Japão em épocas distintas. Ao se deparar com as tecnologias do futuro, o protagonista realiza mentalmente a engenharia reversa dos artefatos, sob a ótica de seu contexto histórico, de modo que possa implementar versões romanas das soluções japonesas em seus projetos arquitetônicos. É assim que ele replica, na Roma Antiga, uma poltrona elétrica de massagens substituindo as engrenagens por três massagistas distribuídos em volta de um assento com tecido. Ou seja, ele implementou uma tecnologia futurista com os recursos disponíveis em sua época. Sua solução, no entanto, seria inviável para produção em larga escala, diferente da poltrona japonesa.

O arquiteto da Roma Antiga, Lucius Modestus, se surpreende com a viseira anti xampu do ancião japonês.

No mundo real, um estudo de caso interessante é o Uber. O mundialmente famoso serviço digital de transporte urbano surgiu em 2009 pelas mãos de Travis Kalanick e Garrett Camp. No entanto, a solução por eles oferecida deu-se a partir da fusão de invenções que começaram a surgir na década de 1970. Primeiro veio o GPS, tecnologia militar de 1972. Em 2001, foi a vez dos dados móveis, tecnologia que evoluiu para o 5G de hoje em dia. Ainda na década de 1980, a norte-americana Navteq apresentou o serviço de mapas digitais navegáveis que seria a grande referência para a criação do Google Maps em 2005.

Em 1993, foi lançado o primeiro PDA (Personal Digital Assistant), um celular que além de enviar e receber chamadas de voz, servia como um livro de endereços, calculadora, pager e fax. Foi ele que ofereceu pela primeira vez a tela sensível ao toque, para que clientes usassem os dedos ou uma caneta (stylus) na realização de chamadas e criação de anotações. Não preciso nem mencionar que a tecnologia touch screen nos celulares, bem como as lojas de apps, se tornaram populares a partir do lançamento do primeiro iPhone em 2007.

O surgimento do Uber deu-se a partir da concatenação de tecnologias prévias.

Outro case interessante de inovação a partir de remixes está no mercado de música “portátil”. Seu precursor: o Walkman da Sony com fitas K-7. Ele evoluiu para o Discman que, a partir do alvoroço causado pelo polêmico Napster (responsável pela popularização do formato MP3), foi substituído por MP3 players, que levaram ao surgimento do iTunes/iPod e culminou com os serviços de streaming que temos hoje como Spotify, Deezer e Tidal, por exemplo.

O QUE NOS GUARDA O FUTURO?

Recentemente, me surpreendi com um mini robô que alterna entre estado sólido e líquido, no melhor estilo Exterminador do Futuro 2. De fato, o cinema de ficção científica é uma grande fonte de referência para a criação de novos artefatos mas, reconheço que fiquei assustado com a possibilidade de uma Skynet real em um futuro próximo. No entanto, o robozinho desenvolvido pela Carnegie Mellon University pode ter um papel brilhante pela frente, derretendo-se para passar pelos escombros de um terremoto e encontrar sobreviventes. É sobre isso!

EXPECTATIVA X REALIDADE: O robô que até então era apenas coisa de cinema, enfim, chegou.

Em um momento onde as pautas mais recentes sobre tecnologia giram em torno do chat GPT e arte generativa, ao invés de ficarmos combativos acerca das profissões que deixarão de existir, seria bom pensarmos sobre as soluções que podem surgir a partir da aplicação e evolução dessas inovações. Afinal, boa parte das profissões e produtos que temos hoje não existiam há algumas décadas e, no mundo BANI, quem não tem resiliência fica para trás.

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