A era do girl power vem dando sinais de que é um caminho sem volta em Hollywood. Mulheres fortes que lutam em nível de igualdade e brutalidade vêm se tornando uma constante nas telonas. Esse novo nicho de filmes (lembrando que a nova Lara Croft já já dá as caras por aqui) tendem a transmitir a mensagem de que a sedução não é a única arma que uma mulher pode ter no mundo do crime. Infelizmente, Operação Red Sparrow segue em sentido contrário a isso e além de abusar do lado sexual, apresenta uma escola onde se aprende a arte da sedução como o artifício mais eficaz para enfrentar a vilania do mundo.
Dominika Egorova (Jennifer Lawrence) é uma dançarina de balé que tem a carreira interrompida após um acidente no palco. Como forma de continuar sustentando a mãe doente, aceita o convite de seu tio para trabalhar no Serviço de Inteligência Russa e precisa cursar um treinamento semimilitar para aprender a ser uma espiã do Estado bolchevique. Lá, dentre outras coisas, precisa aceitar investidas sexuais indesejadas e deve ser abusada na frente de uma turma para dar a lição.
Depois de um breve treinamento, Dominika entra em campo para extrair informações de um agente da CIA e acaba por se envolver com ele, aceitando o papel de agente dupla para equilibrar os interesses do tio russo e do amante norte-americano. Em meio a toda essa capacitação repleta de cenas repugnantes (com direito a estupro) chama atenção o desempenho de Charlotte Rampling como a instrutora Matron. Suas explanações psicológicas tentam assegurar alguma fundamentação para os excessos do longa e a rigidez de seus modos realmente convence de que o trabalho executado envolve altos riscos para o alunado.
A atuação de Jennifer Lawrence soa bastante inspirada no trabalho de Charlize Theron em Atômica (2017), mas, ao contrário da frieza da atriz sul-africana, Lawrence soa um pouco infantil e errante em certos momentos. A performance ingênua do início da trama parece se adequar mais a ela e a todo momento Dominika aparenta estar tomando um remédio amargo para voltar aos palcos como bailarina do Bolshoi. Ou seja, ela não consegue ficar à vontade como agente russa e demonstra desconforto, mesmo que seus resultados sejam eficazes e que a atriz tenha encarado com coragem a necessidade de despir-se totalmente por várias vezes e de enfrentar cenas de luta corporal e dança clássica. A franja longa ajuda no ar de menininha e dificulta a parte séria. Parece que Lawrence mirou em Atômica e acertou na Viúva Negra.
Se o desempenho da protagonista pode ser considerado vacilante, isso não se aplica a Jeremy Irons na pele do General Korchnoi, bastando poucas cenas para garantir trabalho de qualidade. O mesmo se aplica ao ator belga Matthias Schoenaerts, que arrepia o público como o tio Vanya Egorov. O líder da SVR é calculista, frio e não hesita em oferecer a sobrinha como isca de alvos perigosos. A encenação provocante transmite ao público a ideia de que Vanya não é exatamente o tipo de parente que se pode confiar e restará a Dominika saber levar o tio de modo que ela saia viva no final. Joel Edgerton tem uma participação um tanto quanto desencontrada mas acaba conquistando a plateia pelo jogo duplo no qual está envolvido.
O diretor austríaco Francis Lawrence (responsável pela trilogia Jogos Vorazes e também por Constantine) extraiu o enredo do livro homônimo do escritor Jason Matthews (curiosamente, ex-agente da CIA) e direciona o longa com qualidade boa, mas ritmo inconstante, chagando por vezes a ser cansativo. Algumas sequências poderiam ser dispensadas para garantir uma fluidez melhor a trama, cercada por reviravoltas e traições, o que gera alguma confusão para a plateia durante as 2 horas e 20 minutos de exibição.
Um fator visual da cenografia é o fato de que em 90% das cenas há um elemento vermelho na tela, seja uma cortina, uma cadeira, um arranjo ou uma raia de piscina. A agente Red Sparrow (pardal vermelho) veste o tom rubro em cada momento decisivo e isso findou por criar uma identidade visual peculiar para o longa. O frio do leste europeu dá o tom à película e os cenários são constantemente iluminados por luzes amareladas. Uma cena que merece apreço é a da apresentação da protagonista no Teatro Bolshoi. O uso de ângulos abertos permite ao público vislumbrar a grandiosidade do cenário, dominado por uma bailarina vestida de vermelho. Essa imagem pode ser considerada o cartão de visitas da fotografia do longa e a memória é bastante válida.
Por tudo quanto exposto, pode-se concluir que Operação Red Sparrow é uma chance válida à maturidade de Jennifer Lawrence no cinema. Depois de Mãe!, a atriz vem ousando em papéis que fogem ao estilo do seu tutor David O. Russel, diretor responsável por uma parcela dos filmes da carreira de Jen (e por 3 das 4 indicações dela ao Oscar, incluindo a que ela sagrou-se vencedora, em 2013).
O longa capricha no jogo duplo e suscita o interesse da plateia sobre o submundo da espionagem e do patriotismo russo. Um adendo válido é o sotaque russo no inglês de todo o elenco; para quem curte sessões legendadas, vai ser interessante poder observar esse detalhe que faz toda diferença diante da ambientação soviética. No fim das contas, vale a pena suportar os desencontros do roteiro para apreciar o resultado final.
Operação Red Sparrow chega nos cinemas brasileiros na quinta-feira, 1 de março; o trailer pode ser visto a seguir: