Richard Nixon foi um presidente trabalhoso para o povo, para seus assessores e para a imprensa. Um dos desdobramentos disso resultou no novo longa de Steven Spielberg, The Post: A Guerra Secreta, longa que explora o cotidiano do periódico norte-americano The Washington Post durante o mandato de Nixon e o escândalo sobre a verdadeira face da guerra do Vietnã.
Ignorado até então por quase todas as grandes premiações do cinema (exceto pelo Globo de Ouro, onde conseguiu 6 indicações importantes, mas não levou nenhum prêmio) e agora lembrado pelo Oscar também (Melhor Filme), a obra segue a cartilha que tornou Spotlight o vencedor de quase todos os prêmios supramencionados, em 2015. A estranheza desse fato não passou despercebida, especialmente porque o filme dirigido por Steven Spielberg tem Meryl Streep encabeçando o elenco ao lado de Tom Hanks, dois atores e um diretor que comungam de um magnetismo especial com estatuetas douradas.
Longe dessa falta de sincronização das premiações prejudicar o brilhantismo do filme, a trama retrata a sociedade norte-americana da década 70 em suas esferas política, jornalística e social. O Washington Post era um jornal que mirava nos rendimentos e na fama do The New York Times e lutava para expandir sua influência. Até então, a presidente do editorial era uma mulher da alta sociedade, herdeira do fundador e viúva do empresário que levara a empresa adiante após a morte do sogro. Assumir o mundo dos negócios nunca tinha sido a pretensão de vida de Katherine Graham e sua atuação vacilante, constantemente interrompida por homens que a subjugam, era colocada à prova a todo momento.
A década de 70 marcaria a era de escândalos presidenciais que rendem boas histórias até os dias de hoje. No ano passado, Liam Neeson estrelou Mark Felt e isso ajuda a compor a linha cinematográfica que vem retratando o mandato de Richard Nixon na Casa Branca. Para o novo longa de Spielberg, a concentração se volta à força-tarefa jornalística que decidiu mostrar ao mundo os escombros da malfadada Guerra do Vietnã a partir de documentos vazados do Pentágono e inicialmente entregues à redação do The New York Times.
Com uma liminar judicial pairando sobre o TNYT que o proibia de publicar mais informações sobre o caso, o TWP assume o risco ao receber uma parte desses documentos de forma anônima. À época, as discussões sobre os limites da liberdade de imprensa versus o poder estatal de barrar notícias lesivas ao governo criaram uma das atmosferas mais gritantes acerca do tema. Em meio a essa nuvem de argumentações contrárias, os jornalistas do TWP guerrilhavam com os advogados do jornal sobre a iminente publicação de mais escândalos e Key Graham, a desacreditada presidente do jornal, encarava de frente todas as inseguranças de uma vida e tentava descobrir uma coragem escondida para fazer o que julgava ser certo.
O filme é dominado por atuações marcantes e diálogos contundentes. O dia-a-dia de um jornal raramente foi tratado tão fielmente como nessa obra, que escancara o estresse, as divisões de trabalho e a tomada de decisões relevantes a cada minuto em meio a um cenário político e jurídico totalmente instável.
A trilha sonora de John Williams orquestra a sucessão de estrondos com brilhantismo. O figurino de Meryl Streep (assinado por Ann Roth, oscarizada por O Paciente Inglês) retrata com sensibilidade a bifurcação de uma dama da alta sociedade que divide seu tempo entre saraus e reuniões de negócios. Terninhos bem cortados de dia para o mundo empresarial e vestidos esvoaçantes para as noites de jantares festivos em jardins iluminados. O visual de Key Graham ainda é finalizado por cabelo, maquiagem e acessórios memoráveis.
Falando em Meryl Streep, vale destacar a atuação incomum da veterana. Habituada a mulheres fortes e determinadas, Streep estranha no início devido a uma sucessão de manterruptings que a calam e a fazem baixar a cabeça. A insegurança de uma mulher destinada a uma vida luxuosa que se torna empresária conquista a empatia do público, que observa Katherine desabrochar quando se vê com um poder decisório nunca antes imaginado por ela. Sua fibra velada galga degraus até que ela está disposta a tudo em nome do jornal fundado por seu pai. A atuação de Streep acaba de lhe conceder mais uma indicação ao Oscar e nada mais justo do que isso.
Lições de feminismo são dadas a cada piscar de olhos, enrugar de testa e fala vacilante da Sra. Graham. A atriz vem intensificando sua militância feminista e a performance em The Post tem a maestria de garantir isso de uma forma inusitada. Longe de ser uma mulher respeitada, Streep leciona sobre o desconforto feminino ao não ser levada a sério, especialmente quando é ela a deter o maior poder sobre a situação. Mesmo sendo a chefe, seus subordinados e conselheiros a desacatam continuamente. Por essa e outras, The Post poderá ser citado no futuro como um filme que retratou delicadamente os significados de manterrupting, mansplaining e bropriating. Os termos significam, respectivamente, interrupção masculina diante de uma fala feminina, esclarecimento de situações óbvias para mulheres e apropriação de um discurso feminino por um homem, sendo que quando foi proferido por uma mulher, a ideia não foi levada a sério.
Por tudo quanto exposto, The Post é uma obra que merece ser vista. Questões jurídicas e sociais foram discutidas com brilhantismo e o filme consegue ser mais sensível que Spotlight, que teve seu roteiro todo voltado para a investigação em curso. Diversamente disso, a demonstração da vida familiar dos envolvidos em The Post fazem com que suas decisões sejam analisadas a partir da premissa pessoal, da construção daquilo. Sabiamente explicado, a notícia é o primeiro rascunho da História e o longa é capaz de mostrar a essência dessa conclusão.
The Post estreia em 1 de fevereiro no Brasil. O trailer pode ser conferido no link abaixo: