A maestria narrativa que encanta milhões de leitores há quase 100 anos recebe uma nova chance no universo cinematográfico. Reprisando o longa de 1974 que rendeu um Oscar a Ingrid Bergman e amealhou mais 5 indicações à estatueta dourada, Assassinato no Expresso do Oriente reencarna nas telas pelas mãos do diretor Kenneth Branagh, que também protagoniza a obra dando vida ao icônico Detetive Hercule Poirot.
Reunindo um elenco de ilustres, composto por Michelle Pfeiffer, Penélope Cruz, Daisy Ridley, Johnny Depp, Josh Gad, Leslie Odom Jr., Judi Dench, Willem Dafoe, Manuel Garcia-Rulfo, Derek Jacobi, Olivia Colman e Sergei Polunin, o longa acompanha os trabalhos do detetive Poirot para descobrir quem é o autor de um assassinato cometido em plena viagem do famoso Expresso do Oriente, uma rota verdadeira que ligava Istambul a Paris no início do século XX.
A primeira cena do filme já certifica a qualidade da trilha sonora de Patrick Doyle, que além de uma parceria antiga com o diretor Branagh, assina uma seleta lista de composições, dentre elas Thor, Cinderella e Harry Potter. A mescla de temas indianos com um violino compondo o suspense de uma investigação logo na primeira cena já indica ao público que o que está por vir merece uma merecida atenção aos ouvidos.
Uma vez que se passa em 1934 e quase toda a trama se desenrola dentro de uma luxuosa locomotiva, a importância conferida ao figurino, cabelo e maquiagem reforçam a ênfase do elenco na ambientação da década de 30. A cenografia também reflete a riqueza de detalhes captados pela equipe técnica e as necessidades reduzidas de efeitos especiais também garantem que o público se sinta isolado dentro de um trem quebrado em uma ferrovia tomada pela neve.
A ambientação gelada do lado de fora contrasta com o excesso de madeira e cores quentes dentro dos vagões. Essa mesma paleta terrosa se estende à maioria das vestimentas e o público se aconchega com esse cenário visualmente aquecido. A fotografia garante a melhor contraposição entre montanhas tomadas por neve e crepúsculos alaranjados, que auxiliam na contagem do tempo que se passa enquanto o trem não segue viagem e todos os passageiros são interrogados pelo detetive que estava a bordo.
A excelência técnica apenas traça o caminho por onde o roteiro desliza. A narrativa é apresentada como um jogo de quebra-cabeças e o espectador se vê na pele do investigador, tomando notas mentais sobre olhares enviesados, discursos ensaiados e eventuais discrepâncias entre os interrogados. O fato é que em um dado momento da trama todos são igualmente suspeitos. Por essa dúvida generalizada, o sentimento de empatia é facilmente despertado para com o detetive belga, um homem disciplinado que deposita fé inabalável na divisão entre certo e errado sobre tudo e todos.
Mesmo que a história já tenha 83 anos de publicação, os temas aqui debatidos soam os mais atuais possíveis. A ideia de maldade é cavada a fundo e os preconceitos são relembrados a todo momento, seja por quem finja não desconfiar do latino ou do negro ou por aqueles que assumidamente apontam o dedo para a pessoa que é inferiorizada em uma locomotiva que carrega a nata da sociedade predominantemente branca entre Ásia e Europa. Longe de se ater à temática racial, a loira, a crente, o novo rico, o empregado ou qualquer outro estereótipo suporta sua carga discriminatória nessa trama, que consegue explorar o que o ser humano pode ter de mais visceral em sua essência.
Pelo fato de o elenco ser extenso, uma parcela relevante de atores conta com poucos minutos de cena solo. O filme é um grande arranjo de atuações em que o público tenta extrair da linguagem corporal algum indício que auxilie no desenrolar da trama. Por sorte, o passageiro assassinado não é alguém de quem o público nutra grande afeição nesse momento e, portanto, é possível que a plateia inverta a torcida sem muito peso na consciência. Nesse filme, poucos são os atores que conseguem brilhar em relação aos demais e isso se aplica à Michelle Pfeiffer (Mãe!), impecável no papel de Mrs. Caroline Hubbard e Daisy Ridley (Star Wars: Os Últimos Jedis), a insondável Miss Mary Hermione Debanham.
A autora do conto é considerada a terceira escritora mais lida da História (perde apenas para a Bíblia e para Shakespeare). Os números bilionários de livros vendidos corroboram que Agatha Christie é a rainha do crime e isso faz com que Expresso do Oriente já chegue aos cinemas com uma quantidade avantajada de fãs. Em sentido contrário, a parcela que vai conferir o longa sem leitura prévia certamente garantirá novos adeptos à autora inglesa, que publicou mais de 80 livros ao longo da carreira.
A recepção de lançamento obteve um retorno tão festejado que a Twentieth Century Fox se pronunciou sobre a próxima adaptação baseada nos livros de Christie. De acordo com o IMBD, Kenneth Branagh já está confirmado novamente como diretor e protagonista de Morte Sobre o Nilo, livro publicado em 1937 (3 anos depois de Expresso) e que foi transformado em filme em 1978, obra essa ganhadora de um Oscar na categoria Melhor Figurino.
Com base no histórico prestigiado de adaptações de Agatha Christie e na primazia da obra dirigida por Kenneth Branagh, é possível afirmar que Assassinato no Expresso do Oriente tem cheiro de Oscar. O filme já vem angariando saldo positivo de bilheteria ao redor do mundo e no Brasil não será diferente. É um presente aos fãs da romancista e um convite irresistível àqueles que ainda não tiveram a oportunidade de conhecer toda a genialidade da mulher mais lida do mundo.
Assassinato no Expresso do Oriente estreia em 30 de novembro. O trailer pode ser visto no link abaixo: