Como funciona o licenciamento de fontes tipográficas digitais

Como funciona o licenciamento de fontes tipográficas digitais

Por Amanda Ardisson

Você já parou para pensar por que precisamos licenciar fontes tipográficas digitais diferente de outras produções intelectuais e artísticas? Se você tem dificuldade de entender como funciona esse processo ou nunca teve tempo para ler todos os termos de uso, buscamos nesse artigo resumir algumas informações importantes que você deve saber na hora de licenciar uma fonte. Mas vamos do começo.

No passado…

Enquanto a impressão por tipos móveis perdurava no Brasil e no mundo, a criação e comercialização de novos desenhos tipográficos era restrita a uma pequena parcela elitizada de especialistas e empresas. Com a introdução do computador de uso pessoal e da internet, as novas práticas do design gráfico transformaram os tipos feitos de chumbo em arquivos intangíveis e digitais. Se antes apenas uma pequena parcela de especialistas detinha acesso às complexas máquinas de composição e impressão, na era digital a prática do design de tipos se tornou mais democrática e acessível, além de diminuído consideravelmente seu tempo de produção.

Em contrapartida, a revolução tecnológica acabou por trazer novas necessidades de proteção autoral em relação a esse novo tipo de produção. Algumas pessoas acreditam que os tipos podem ser copiados irrestritamente, alegando que as formas das letras são universais. De fato, os arquétipos das letras do alfabeto latino existem há muitos séculos e são essenciais para a construção dos caracteres tipográficos. Porém, qualquer obra criada pelo intelecto humano, incluindo fontes tipográficas, deve ser protegida por direitos autorais, sejam eles de natureza moral ou patrimonial.

Fonte como software

Normalmente, a “compra” de fontes tipográficas digitais não se faz da mesma forma que se compra um projeto de identidade visual ou website. Conforme a legislação brasileira, as fontes digitais não se enquadram nos termos de proteção conferidos pela lei de propriedade industrial e não podem ser patenteadas. Nesse sentido, a alternativa mais bem sucedida foi argumentar que uma fonte digital seria equivalente a um software, ou seja, a um conjunto de instruções que permite que um dispositivo realize determinadas operações. Em uma fonte digital, o conjunto de instruções seria o próprio arquivo de dados eletrônicos e a operação resultante, a reprodução das formas tipográficas (enquanto elementos estético-formais das letras) nas telas e impressões.

Nos Estados Unidos, as fundições optaram também por esse método para poder registrar suas criações frente à lei de direitos autorais (copyright). Na realidade, o Brasil, os Estados Unidos, a Rússia, a Inglaterra, o México e muitos outros países formam as 175 nações signatárias da Convenção de Berna, que reconhece o direito do autor e respeita os aspectos comerciais da propriedade intelectual entre os membros participantes. No Brasil, as fontes digitais são protegidas pela Lei nº 9.609/98, que regula os programas de computador.

Sendo a fonte digital um software, sua utilização integral ou parcial para a produção de outra fonte, sem a permissão dos autores, é considerada um crime passível de multa e reclusão de até 4 anos. Ao adquirir uma fonte, o usuário paga pela sua licença de uso sujeita a certas condições, e não pela posse do produto em si. No entanto, a proteção legal não leva em consideração o desenho das letras, apenas em relação à fonte com software — que além do desenho da letra em si, carrega informações de espaçamento, kerning e recursos OpenType, por exemplo. Isso significa que o resultado de sua aplicação pode ser redesenhado e alterado para a criação de um novo design.

Mesmo que o desenho das letras não seja passível de proteção, a reprodução total ou parcial da tipografia para fins comerciais é vista como desrespeito às normas profissionais. A tipografia, no campo do design gráfico, é vista como uma ferramenta de trabalho que atende a funções de comunicação e expressão visual de modo similar à aquisição de outros recursos, como fotos, ilustrações e gráficos.

Tipos de distribuição

Basicamente, alguns autores e designers de tipos optam por disponibilizar suas fontes digitais gratuitamente (Open Source), enquanto outros a distribuem de forma comercial mediante pagamento. Dar arquivos sem receber em troca é um caminho pelo qual muitos iniciam no design de tipos. Desta maneira, as fontes podem ser distribuídas a partir de um blog ou site pessoal ou, usualmente, por meio de sites distribuidores, como o Google Fonts.

Já a distribuição comercial ocorre por meio de um pagamento para que o usuário tenha o direito de usar a fonte. A distribuição comercial também permite que o designer de tipos ofereça suas fontes por conta própria, porém muitos optam por trabalhar diretamente com distribuidores pagos ou se associam a fundições maiores, que podem fornecer assessoria e melhorar a qualidade da fonte, uma vez que ela fará parte de seu catálogo. Normalmente os distribuidores oferecem contratos não exclusivos para os autores, isto é, acabam permitindo a distribuição da fonte em outros locais.

Existem diversos sites distribuidores no mercado internacional de fontes, como o MyFonts (comprado pela Monotype), I Love Typography, FontShop, entre outros. No entanto, o licenciamento de fontes por assinatura, como no caso do Adobe Fonts (incluso no pacote da Creative Cloud), tem se tornado uma boa alternativa a muitos designers e empresas que não possuem condições de licenciar fontes pagas.

Outro caminho que vem sendo aplicado nas distribuições comerciais é fornecer uma versão gratuita para teste, na esperança de que o usuário volte a comprar sua versão completa. A Future Font têm feito uma iniciativa similar, oferecendo por um preço mais em conta fontes tipográficas que ainda estão em produção, de forma a contribuir com o trabalho do autor e reduzir os custos de licenciamento para designers e empresas. A verdade é que, na tipografia, sempre existiu (e existirá) a cópia indevida e a pirataria. O que se pode fazer a respeito, por enquanto, é buscar oferecer outras formas de licenciar fontes que sejam mais atrativas e práticas do que sua aquisição ilegal.

Termos de uso

Por via de regra, as condições de uso de uma tipografia comercial são apresentadas em um termo de licenciamento conhecido como EULA (End User License Agreement), que possui diferentes tipos de permissões e restrições. Comumente, o termo é redigido em inglês e informa as licenças de diferentes usos de uma fonte tipográfica, como o uso pessoal, na web, em aplicativos, servidores e publicações eletrônicas (EPub).

Cada designer de tipos ou fundidora estabelece suas restrições de uso, apesar de existir uma regularidade dos termos e cláusulas que varia conforme o tipo de licença. Por exemplo, licenças de uso comercial geralmente permitem que você use a fonte em projetos que foram pagos por um terceiro pelo serviço do usuário da fonte. Por vezes, essas licenças só permitem o acesso a um dispositivo, ou seja, a quem pagou para usá-la. Outras já permitem o uso em diversos dispositivos diferentes, desde que estejam sob o mesmo endereço.

Nesse sentido, podemos perceber a complexidade desse processo que, de certa forma, é essencial para artistas e designers que usam fontes digitais nos seus projetos criativos. Embora haja essa regularidade nas cláusulas do contrato, ainda é um tema de difícil compreensão e nem sempre temos o conhecimento necessário para entendê-lo. E nós, profissionais criativos, aqui no Brasil ainda temos muito a aprender e discutir em relação ao licenciamento de fontes digitais. Acredito que a democratização do uso de fontes pode diminuir o número de cópias e pirataria dos projetos, de forma que também favoreça com o trabalho de designers de tipos.

Referências

Cristóbal Henestrosa, Laura Messenger e José Scaglione. Como criar tipos: do esboço a tela. Editora Esterográfica: 2014

Érico Lebedenco. Resgate tipográfico: delimitações, características e prática no design de tipos. Blucher: 2022

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