Não é todo dia que um filme que foge ao circuito hollywoodiano ou inglês estreia em numerosas salas de cinema do país. O lançamento da semana é uma obra que amealhou uma série de prêmios mundo afora, incluindo o Urso de Ouro do Festival de Berlim de 2017. Dirigido e roteirizado por Ildikó Enyedi, uma diretora que tem seu portfólio cinematográfico reduzido a menos de uma dúzia de filmes ao longo de quase 40 anos de carreira, Corpo e Alma traz em seu bojo a mesma falta de pressa que é visualizada na vida profissional de sua diretora.
Protagonizado por Alexandra Bórbely e Géza Morcsányi como os introvertidos Mária e Endre, a trama se passa nos escritórios de um matadouro e narra o relacionamento entre o chefe do departamento financeiro e a nova inspetora de qualidade do local. Uma vez que ambos vivem muito bem em seu mundo solitário, a aproximação dos dois se dá pelas mãos da psicóloga da empresa, que observa que os dois funcionários narraram o mesmo sonho sob óticas diferentes e decide inquiri-los sobre o assunto. A partir disso, o homem de meia idade e a jovem tímida passam a comparar seus sonhos e confirmam que todas as noites eles vivem como um cervo e uma corça em busca de comida numa floresta castigada pela neve.
Detentor de uma fotografia magistral, as tomadas dos animais sob a neve possuem os melhores ângulos possíveis e o filme como um todo também goza dessa mesma qualidade. Em alguns momentos o público se choca com a inconstância entre a monotonia da vida dos protagonistas e a violência das cenas que retratam o abate de bois e vacas e o excesso de sangue que se segue. Mesmo que tente mostrar a visceralidade da solidão de Márie e Endre, é certo que esse quesito fica adstrito às cenas de brutalidade animal.
O enredo será considerado monótono pela maioria dos expectadores, e contra esse fato não há argumentos. Talvez a narrativa sobre um futuro casal introvertido funcionasse melhor em forma de livro, já que o esforço para mostrar que a trama se passa de forma intrínseca apenas pode apelar para o uso excessivo de olhares e expressões que subentendem o que está brotando entre o casal. A interação entre eles é frágil e uma vez que o elenco do filme é enxuto, se torna massiva a atenção que é dada às cenas compostas de poucos diálogos e muitas garfadas.
Ainda que se possa admirar a beleza de um romance que brota, a apatia dos protagonistas é tamanha que toma de surpresa o público quando, enfim, algum sinal de afeto entre os dois é retratado. A direção tomada pelos dois tende ao completo isolamento e quando eles decidem testar-se como casal, o público já havia abandonado quaisquer esperanças sobre um possível enlace.
Decerto, existe encanto na obra, mas paciência é um requisito fundamental para usufruí-la. A construção dos cenários e o figurino acompanham a ausência de incrementos do roteiro. Cores neutras e a paleta terrosa dão o tom minimalista do filme, que foca no implícito e no sensorial e exige atenção para os pequenos detalhes em meio a um redemoinho de cenas que não fomentam a história que se pretende contar.
Conclui-se que a beleza do longa não é daquelas facilmente verificável, de modo que o desfrute do filme precede uma boa dose de apelo artístico. O longa não agradará amplas plateias, mas pode ser uma boa opção para quem procura fugir do senso comum e tem serenidade suficiente para apreciar o desenvolvimento pessoal e emocional de pessoas que nunca exploraram essas perspectivas na vida.
Corpo e Alma estreia nos cinemas brasileiros na quinta-feira, 21 de dezembro e o trailer pode ser visto no link abaixo: